terça-feira, março 27, 2012

um convite aos de lá

No tempo apressado e digital que vivemos hoje, escrever uma carta a um amigo, a um parente ou a um amor tornou-se algo quase descabido. Uma pena, pois uma mensagem escrita em bits e bites que chega ao destinatário em milésimo do segundo, por mais bem intencionada que seja, não carrega os mesmos sentimentos que uma carta tradicional, que leva seu tempo para ser concebida, enviada e recebida.

A dupla de documentaristas Coraci Ruiz e Julio Matos retomou este hoje antigo hábito de escrever uma carta para produzir o lindo documentário Cartas Para Angola, cujo trailler é este aí em cima. No filme, pessoas separadas por um oceano trocam correspondências que circulam entre Brasil, Angola e Portugal, três países que falam a mesma língua e compartilham um passado comum. Por meio de cartas, os personagens — alguns são amigos de longa data, outros que nunca se viram — contam sobre fluxos de migração, saudade, pertencimento, guerra, preconceitos, exílio e distâncias.

Cartas Para Angola tem sua estreia no festival “É Tudo Verdade”, nas seguintes datas:

SÃO PAULO:
24/03 – 20h30 – CCBB
25/03 – 18h00 – Cinemateca
RIO DE JANEIRO:
25/03 – 14h00 – Instituto Moreira Salles
30/03 – 20h00 - Instituto Moreira Salles

segunda-feira, março 26, 2012

domingo, março 25, 2012

hoje, é um bom dia para assumir 46

por vezes somos incompreendidos, mas há privilégios pelos quais todos os dias agradeço aos meus pais.

sexta-feira, março 23, 2012

quinta-feira, março 15, 2012

Prefácio

o texto (com acordo ortográfico) que segue abaixo é o prefácio da edição especial desse mês da revista Volta ao Mundo. uma edição escrita por José Luís Peixoto e que em forma de prosa e poesia escreveu a revista como se fossem as paginas de um livro.
uma revista especial para essa que será uma partida especial e com um regresso que de certeza fará de mim uma pessoa diferente dessa que alimenta esse espaço desde 2005.

Só faço a mala à ultima hora. Nos dias anteriores a uma grande viagem, tento resolver uma enorme quantidade de assuntos que, com frequência, estavam por tratar há meses. Tento arrumar tudo, até a consciência, e partir tranquilo. Normalmente consigo fazê-lo. Soluciono burocracias acumuladas, organizo gavetas, escrevo e-mails aborrecidos que andava a adiar e que, durante esse tempo, pareciam crescer em tamanho, em número e em aborrecimento.

Nessa vertigem, não tenho consciência daquilo que me espera à distancia de horas. A mente, ocupada com a obsessão de eliminar problemas antigos, não se liberta a conceber a viagem que começará em breve. Mesmo a fazer a mala, ainda não estou consciente da enorme transformação que está prestes a acontecer. Mantenho uma noção simultaneamente teórica e prática daquilo que planeio: número de dias, calor/frio, necessidades específicas. Assim, escolho roupa e objectos, entalo meias nos espaços livres.

As partidas. Saio do táxi e tudo segue uma rotina: ver no placard eletrónico qual o balcão do check in certo, caminhar a um ritmo certo, pedir para me arranjarem um lugar que não seja no meio, e guardo sempre o bilhete e os documentos no mesmo sítio, e sigo sempre a mesma ordem na máquina dos metais. Tenho sempre um livro para ler. Com ele, espero junto ao portão de embarque. Quando a voz do altifalante avisa que vai começar o embarque, não tenho pressa. Sei que chegaremos todos ao mesmo tempo. Entro no avião com o pé direito, sento-me e, só nesse momento, começo a fantasiar sobre o destino para o qual me dirijo. Faço-o durante toda a viagem.

Miami, Pequim, Moscovo. Antes de levantar o voo, mas ja com o cinto apertado, tinha ideias sobre cada uma dessas cidades. Nesse tempo agora irrepetível, acreditava nessas ideias com firmeza, eram uma realidade que tinha como base leituras, filmes, conversas e uma enorme quantidade de suspeitas que, em ultima análise, refletiam a minha visão do mundo. Só concebia aquilo que era capaz de conceber. A minha experiencia passada era muito importante para traçar essas fronteiras, mas aquilo que eu imaginava tinha noção da necessidade de transcender essa experiência. Não sou capaz de garantir que fosse capaz de fazê-lo. Com base nesse conhecimento, a escolha deste três destinos teve como eixo a vontade de testemunhar três ângulos essenciais da contemporaneidade politica e civilizacional; três pólos de influência mundial que contribuíssem com pistas para o retrato daquilo que é o mundo hoje e, ao mesmo tempo, permitissem intuir um pouco do mundo que aí vem. Tentando erguer o tripé de um álbum de impressões, memorias, imagens, detalhes de instantes.

No que diz respeito ao olhar, impôs-se aquele que está lá e que privilegia a experiência simples dos sentidos. No fundo, para quem foi, o mais fundamental desse tempo, aquilo que efetivamente lhe acrescentou mundo, foi ter ido, ter estado lá realmente, ter olhado em volta. Há muito que se pode aprender em enciclopédias, documentários ou na internet, mas também, há o resto: aquilo que se pode sentir. O primeiro desejo das paginas que se seguem, é captar um pouco dessa aprendizagem dos sentidos. Sendo essa, claro, inseparável daquilo que se conseguiu chegar a saber.

Como uma viagem efetiva, a incluir sempre o tamanho do caminho e da distancia. Como uma volta ao mundo.

...

em Luanda, não é muito difícil cruzarmo-nos com expatriados (não gosto da palavra, mas nunca encontro um sinonimo que me anima um pouco!), o que não é mau de todo, gosto de cidades com pessoas de lugares diferentes porque acredito que isso ajuda tanto essas pessoas que vêem de longe como os locais a olharem e talvez tentarem compreender um pouco a diferença.

tenho é um pouco de dificuldade em perceber quando muitas dessas pessoas vindas do seu longe, tentam não assumir o que realmente lhes levou para determinado lugar. quando estive longe, nunca tive receio em assumir que estava lá para estudar, aprender, e vezes sem conta assumi que era uma espécie de exploração porque pessoalmente aproveitava tudo e mais alguma coisa de tudo o que não existia no lugar de onde pertenço.

alguns dias numa grande mesa entre amigos, conhecidos e provavelmente futuros amigos, tive uma interessante conversa com uma brasileira que está em Angola para ajudar o país no seu desenvolvimento (palavras da própria). sem discordar totalmente do seu ponto de vista, confrontei-lhe com a minha opinião de que ela estava em Angola para ganhar dinheiro. a menina sentiu-se ofendida e sem fazer um esforço para perceber o meu ponto de vista, partiu com argumentos e mais argumentos sobre a minha ingratidão! felizmente continuamos a conversa durante horas... ela falou-me das obras que o país tem recebido, dos serviços que antes não existiam e de muitas outras coisas boas que o país beneficiou graças a muitos estrangeiros que como ela vieram para Angola especificamente para ajudar a desenvolver essa terra maravilhosa. mantive a minha opinião mas dessa vez ela deixou-me argumentar. repeti-lhe que não via mal nenhum em alguém assumir que vinha para terra maravilhosa ganhar dinheiro, porque na verdade aquilo era uma permuta do toma lá isso e tu dá-me aquilo. continuei, já com a mesa toda atenta a nossa conversa, perguntado a menina se conhecia algum estrangeiro que veio para essa terra maravilhosa abrir uma livraria para vender Rubem Fonseca, para dar um exemplo que pensava eu que a menina conhecia! do fundo da mesa alguém gritou que os livros não dão dinheiro em nenhuma parte do mundo, para logo de seguida a menina interrogar-me... quem é o Rubem Fonseca? esquisito foi que nenhum brasileiro dos presentes sabia! continuamos a conversa, ela com os seus argumentos e eu com o meu de que não vejo mal nenhum assumir-se que se vêem ganhar dinheiro, mal há sim quando se tenta transmitir a ideia que antes do dinheiro existe a vontade de se estar na terra maravilhosa para ajudar no desenvolvimento.

pessoalmente, penso que é tudo uma questão de interesse porque é assim que o ser humano foi formatado. alguém acredita que uma menina nascida no deserto do Namibe e crescida entre o mar e o deserto com aquelas temperaturas altas tem todo prazer em ir viver para Manchester mesmo que ela encontrasse no seu habitar as mesmas condições que existem no norte da Inglaterra?

contudo, é preciso acreditar que existem excepções.