quarta-feira, julho 30, 2014

outras viagens...

sempre gostei de ler em viagem, independente do lugar para onde vá, um livro, uma revista ou até um pedaço de jornal ajudam a viajar física e mentalmente ao mesmo tempo. 

já faz muito tempo que propositadamente escolho a leitura que levo em viagem, apenas porque gosto de ler coisas de lugares completamente diferentes daqueles que esteja a visitar. lembro-me da primeira vez que estive em Malta sentado naqueles antigos autocarros com ruído por todos os lados a ler O Fim da Pobreza, um livro que fala da pobreza como o titulo indica mas que prefiro sempre dizer que fala de uma áfrica distraída e de outros lugares completamente diferentes daquela ilha quase paradísica! em Estocolmo li Estação Carandiru, nas idas entre Lisboa e Aveiro lia muito José Eduardo Agualusa e o Rubem Fonseca e certa vez em Luanda dei por mim a ler O Rapaz do Pijama às Riscas! 

gosto dessa tipo de experiencias e das comparações que me vão surgindo na mente entre os lugares que as personagens vão passando e o lugar em que me encontro. nunca me esqueço da forma propositada como li Budapeste do Chico Buarque ao mesmo tempo que via o filme Budapeste de Walter Carvalho numa altura em que para chegar ao centro de Luanda tinha de sair de casa por volta das 4h da manhã! era um contraste incrível entre a cidade que lia e imaginava, a cidade que via diferente daquela que tinha imaginado e a cidade onde vivia. 

mas no meio dessas experiências há uma excepção. Os Transparentes é um livro que tenho a certeza que ler-lhe fora de Luanda não seria a mesma coisa. foi um momento muito próprio ler aquelas páginas no transito da cidade, nas filas das repartições públicas, na longa espera para ser atendido na loja da taag que fica no Kinaxixi entre outros lugares.

por esses dias estou a terminar Em Nome do Povo, o livro de Lara Pawson num momento de algumas viagens pelo interior de Angola. não foi uma escolha propositada mas aos poucos vou me apercebendo que foi uma escolha feliz e acertada. viajar por Angola é sempre um momento de encontro comigo mesmo, viajar por Angola acompanhado de cotas que nunca param de contar histórias uma atrás da outra ajuda a conhecer-me com mais profundeza, mas viajar por Angola acompanhado de cotas ao mesmo tempo que leio este livro deixou-me um pouco confuso! aqueles cotas falam de "tudo", contam todo tipo de histórias e cada vez que chegávamos a um município havia sempre uma recordação de um momento mesmo que tenha sido em guerra... o rostos mudavam e algumas vezes os sorrisos misturavam-se com a vontade de deixar vir as lágrimas. são pessoas extraordinárias, homens de cultura mas que já estiveram noutras posições porque a situação do país exigiu deles grandes sacrifícios, homens sensíveis que muitas vezes não conseguiam esconder o sentimento de decepção quando se deparavam com alguma recordação que teimavam em apagar da memória, homens que olhavam sempre para os 3 jovens do grupo e a mensagem silenciosa quase sempre era a mesma: por favor, façam as coisas de outra maneira

talvez alguns deles estejam entre as pessoas que a Lara Pawson entrevistou, talvez não, talvez alguns deles nem sequer tenham histórias sobre o tema do livro, quem sabe, talvez aqueles olhares profundos de vazio queiram contar histórias que a geração dos 3 jovens desconhece, talvez isso, talvez aquilo, talvez sim, talvez não... talvez deveria eu compartilhar com eles o tema do livro da Lara e frontalmente perguntar-lhes, e vocês, qual é a vossa história sobre aquele dia? 

entretanto, a viagem prosseguia, Huambo, Tchicala-Tcholoanga, Bailundo, Katchiungo, Chinguar e outros lugares desse país de pessoas com marcas de sofrimento bem visíveis e com sorrisos que muitas vezes me deixa envergonhado das minhas lamentações.
 

quarta-feira, julho 16, 2014

um convite aos de lá

 
O Madalena Workshops Centro de Estudos da Imagem apresenta, com curadoria de Claudi Carreras, a exposição “Se não me engano, faz Angola” de Jordi Burch e Ondjaki. O trabalho é o resultado criativo da parceria dos artistas e inclui performance de Ondjaki e visita guiada com os artistas em sua abertura. O fotógrafo catalão Jordi Buch e o poeta angolano Ondjaki. Uma viagem de sete dias ao sul de Angola. O resultado é um conjunto de fotografias conectadas a poemas, onde cada fotografia e poema possuem sua pequena narrativa. O fotógrafo conta que a ideia era fotografar pessoas de longe e ampliar as imagens para que os retratos ficassem aproximados. Mas grãos gerados pela ampliação obrigam o expectador a se afastar da obra para poder enxergar, gerando a dualidade entre a aproximação e a distância, e entre fotografias e poemas, entre a linguagem visual e a escrita. 

“estão vivos os fantasmas 
e aprenderam a 
a uivar. 
preparo os pés. 
reinicio a caminhada. 
carrego na mão 
essa âncora 
que ao estar no chão 
me macera 
o tornozelo. 
evaporaram-se 
as palavras 
molhadas. 
está nu 
o meu estendal. 
respiro. espero. 
oxalá 
que os pássaros 
saibam 
o caminho de volta 
até mim.” 
Ondjaki

terça-feira, julho 15, 2014

sexta-feira, julho 11, 2014

um elogio ao Zacarias

agora que o desabafo já foi publicado na NZO, uma casa cultural aqui ao lado, compartilho com vocês o meu elogio ao Zacarias. 

estou farto! 

o meu nome é Ngoi Salucombo, sou angolano, de Luanda e com descendência do povo tchokwe e confesso-vos com toda sinceridade, não entendo nada de arte. 

Luanda é uma cidade que nos últimos anos tudo tem crescido graças ao tal suposto desenvolvimento económico que pós Angola na boca do mundo, e é um crescimento em todas as áreas e em todas coisas, às muito boas, mas também às muito más. 

na verdade, não sei explicar se o crescimento dos eventos de arte poderão estar classificados do lado das coisas muito boas que a cidade tem recebido. 

como confessei já, não entendo nada de arte, o máximo que aconteceu comigo foi ter crescido numa casa onde os livros, a música e o debate fizeram parte da minha vida até ao dia em que eles partiram. talvez, devido a minha ignorância sobre os conceitos de arte tenho me espantado com as coisas que se têm passado aqui em Luanda e que hoje me fizeram sentir-me farto de tudo isso. 

falo dos eventos de arte que semana sim semana não têm acontecido um pouco por vários cantos do centro de Luanda... exposições que são inauguradas com taças de vinho, rissóis, croquetes e outros salgadinhos, performances de artistas que muitas vezes não percebo a linguagem, os conceitos e outras coisas que a arte deles pretende transmitir, pessoas que vão aos eventos e que em conversas cruzadas mostram-se maravilhadas com as peças, as instalações, as imagens, a apresentação do artista Zacarias e em alguns casos dão-se o direito por serem grandes conhecedores de arte de darem entrevistas aos meios de comunicação social que se fazem sempre presente com jornalistas que mesmo sem perceberem a linguagem artística que o Zacarias usa nas suas peças, convidam as pessoas a darem opiniões com perguntas cheias de nada ou em certos casos com alguma pitada de ignorância! 

nestes eventos que não posso esconder que também frequento com alguma regularidade e confesso até que me relaciono com alguns artistas como o Zacarias, existem sempre aquelas personalidades que do nada se tornaram pessoas importantes no mundo das artes aqui em Luanda, mas que muita gente não sabe bem de onde surgiram e o que fazem. são personalidades que falam com todo mundo ou em alguns casos todo mundo é que se interessa em falar com eles, porque acham sempre que essas pessoas são importantes e vão abrir portas ou conseguir contactos para patrocínios para o evento que também sonham produzir (sim, porque nesses eventos o que se encontra aos montes são produtores de eventos culturais). como diz um amigo meu, essas personalidades são os tais caçadores de sponsors e o mais interessante é que caçam mesmo! 

depois temos os sponsors, essa palavra bonita que muitos preferem expressa-la como pareceria. bancos, operadores de telefonia móvel, grandes marcas de bebidas alcoólicas e outras, aparecem sempre como sponsors de artistas como o Zacarias, onde no dia do evento enviam sempre um funcionário conhecedor de arte que por vezes faz um discurso de como é uma honra e orgulho para sua instituição/empresa investir dinheiro na arte do Zacarias, mesmo quando eles não entendem nada daquilo que o Zacarias quis transmitir nas suas obras. 

temos também aquelas situações em que o Zacarias depois de alguns anos a viver em London, New York, Lisboa, Paris e em muitas outras cidades em que a arte é feita por artistas que na sua maioria não são Zacarias, regressa para banda e se apresenta como o criador de determinado conceito ou linha editorial se é que o termo se encaixa na arte, e começa a criar peças com um valor artístico único e com uma certeza cega de que o seu trabalho apresenta um conceito original nunca antes feito. o Zacarias mentaliza-se com todas as certezas de que tudo aquilo que ele conheceu em London, New York, Lisboa, Paris e em muitas outras cidades nunca foi visto por algumas das muitas pessoas que frequentam os grandes eventos de arte que hoje são apresentados em Luanda, mesmo o Zacarias sabendo que hoje o mundo ficou tão pequeno por causa de uma coisa chamada internet. talvez por ser um artista, o Zacarias não se identifica com expressões como plágio ou imitação, mesmo naquelas situações em que algumas das pessoas presentes na sua exposição sentem-se como se estivessem a ter um Déjà Vu. 

outra coisa que muito me admira é o tempo que demora uma exposição do Zacarias. depois de tanto trabalho, horas e horas passadas no seu ateliê, tanto investimento feito pelo sponsor que se orgulha da parceria estabelecida e muitos outros itens que imagino devem ser necessários antes do grande dia, tenho muita dificuldade em perceber o tempo tão curto que o trabalho do Zacarias fica exposto... até parece os supermercados de Luanda, em que numa semana encontras o teu gel de banho de eleição e na semana seguinte está esgotado! ou será ignorância minha e as peças do Zacarias por serem de grande qualidade artística são vendidas em menos de 10 dias que é o tempo máximo que algumas exposições ficam disponíveis para o público. quem sabe? 

por último e não menos importante, uma palavrinha para a nossa classe jornalística. não sei de quem é a responsabilidade mas infelizmente não vejo na nossa imprensa jornalistas com legitimidade intelectual e académica para fazer critica a esta arte que quase todas as semanas aparecem em alguns espaços pelo centro de Luanda. aliás, é preciso que os meios de comunicação sejam também responsabilizados pelo o trabalho que não fazem ou em muitos casos, pelo mau trabalho que tentam fazer. geralmente os meios de comunicação limitam-se a transcrever os press release que recebem das produtoras que organizam os eventos de arte, sem nunca apresentarem ao publico em geral a sua opinião sincera e frontal sobre o que acharam ou interpretaram na linguagem artística e nos conceitos que o Zacarias usou nas suas peças. no caso da literatura, há vezes até que quase todos os jornais limitam-se a publicar o texto que foi lido pela personalidade que a editora escolheu para fazer a apresentação do livro do Zacarias, e esquecem-se de fazer o trabalho de casa. ler o livro do Zacarias e escrever um texto sobre a obra. 

insisto, não entendo nada de arte, mas naquela casa onde cresci no meio de livros de muitos escritores comunistas da antiga União Soviética e de muita música da África francófona e não só, aprendi um pouco que a arte é uma actividade ou manifestação que se lê, ou seja, se é algo que se lê, então deve ser bem escrito para que as pessoas possam ler e tentar no máximo compreender o que acabaram de ler. se assim não for podemos continuar a chamar de arte? 

alguém disponível em ajudar-me a compreender a definição da arte que tem sido vendida nos últimos anos aqui na minha Luanda.

terça-feira, julho 08, 2014

RoofTop Party, edição Sambizanga...

com a fabrica da cuca ao longe, sempre a piscar-nos o olho.
    

quarta-feira, julho 02, 2014

um convite aos de lá

depois de Cannes aterramos em Lisboa.