sempre gostei de ler em viagem, independente do lugar para onde vá, um livro, uma revista ou até um pedaço de jornal ajudam a viajar física e mentalmente ao mesmo tempo.
já faz muito tempo que propositadamente escolho a leitura que levo em viagem, apenas porque gosto de ler coisas de lugares completamente diferentes daqueles que esteja a visitar. lembro-me da primeira vez que estive em Malta sentado naqueles antigos autocarros com ruído por todos os lados a ler O Fim da Pobreza, um livro que fala da pobreza como o titulo indica mas que prefiro sempre dizer que fala de uma áfrica distraída e de outros lugares completamente diferentes daquela ilha quase paradísica! em Estocolmo li Estação Carandiru, nas idas entre Lisboa e Aveiro lia muito José Eduardo Agualusa e o Rubem Fonseca e certa vez em Luanda dei por mim a ler O Rapaz do Pijama às Riscas!
gosto dessa tipo de experiencias e das comparações que me vão surgindo na mente entre os lugares que as personagens vão passando e o lugar em que me encontro. nunca me esqueço da forma propositada como li Budapeste do Chico Buarque ao mesmo tempo que via o filme Budapeste de Walter Carvalho numa altura em que para chegar ao centro de Luanda tinha de sair de casa por volta das 4h da manhã! era um contraste incrível entre a cidade que lia e imaginava, a cidade que via diferente daquela que tinha imaginado e a cidade onde vivia.
mas no meio dessas experiências há uma excepção. Os Transparentes é um livro que tenho a certeza que ler-lhe fora de Luanda não seria a mesma coisa. foi um momento muito próprio ler aquelas páginas no transito da cidade, nas filas das repartições públicas, na longa espera para ser atendido na loja da taag que fica no Kinaxixi entre outros lugares.
por esses dias estou a terminar Em Nome do Povo, o livro de Lara Pawson num momento de algumas viagens pelo interior de Angola. não foi uma escolha propositada mas aos poucos vou me apercebendo que foi uma escolha feliz e acertada. viajar por Angola é sempre um momento de encontro comigo mesmo, viajar por Angola acompanhado de cotas que nunca param de contar histórias uma atrás da outra ajuda a conhecer-me com mais profundeza, mas viajar por Angola acompanhado de cotas ao mesmo tempo que leio este livro deixou-me um pouco confuso! aqueles cotas falam de "tudo", contam todo tipo de histórias e cada vez que chegávamos a um município havia sempre uma recordação de um momento mesmo que tenha sido em guerra... o rostos mudavam e algumas vezes os sorrisos misturavam-se com a vontade de deixar vir as lágrimas. são pessoas extraordinárias, homens de cultura mas que já estiveram noutras posições porque a situação do país exigiu deles grandes sacrifícios, homens sensíveis que muitas vezes não conseguiam esconder o sentimento de decepção quando se deparavam com alguma recordação que teimavam em apagar da memória, homens que olhavam sempre para os 3 jovens do grupo e a mensagem silenciosa quase sempre era a mesma: por favor, façam as coisas de outra maneira.
talvez alguns deles estejam entre as pessoas que a Lara Pawson entrevistou, talvez não, talvez alguns deles nem sequer tenham histórias sobre o tema do livro, quem sabe, talvez aqueles olhares profundos de vazio queiram contar histórias que a geração dos 3 jovens desconhece, talvez isso, talvez aquilo, talvez sim, talvez não... talvez deveria eu compartilhar com eles o tema do livro da Lara e frontalmente perguntar-lhes, e vocês, qual é a vossa história sobre aquele dia?
entretanto, a viagem prosseguia, Huambo, Tchicala-Tcholoanga, Bailundo, Katchiungo, Chinguar e outros lugares desse país de pessoas com marcas de sofrimento bem visíveis e com sorrisos que muitas vezes me deixa envergonhado das minhas lamentações.