sexta-feira, julho 11, 2014

um elogio ao Zacarias

agora que o desabafo já foi publicado na NZO, uma casa cultural aqui ao lado, compartilho com vocês o meu elogio ao Zacarias. 

estou farto! 

o meu nome é Ngoi Salucombo, sou angolano, de Luanda e com descendência do povo tchokwe e confesso-vos com toda sinceridade, não entendo nada de arte. 

Luanda é uma cidade que nos últimos anos tudo tem crescido graças ao tal suposto desenvolvimento económico que pós Angola na boca do mundo, e é um crescimento em todas as áreas e em todas coisas, às muito boas, mas também às muito más. 

na verdade, não sei explicar se o crescimento dos eventos de arte poderão estar classificados do lado das coisas muito boas que a cidade tem recebido. 

como confessei já, não entendo nada de arte, o máximo que aconteceu comigo foi ter crescido numa casa onde os livros, a música e o debate fizeram parte da minha vida até ao dia em que eles partiram. talvez, devido a minha ignorância sobre os conceitos de arte tenho me espantado com as coisas que se têm passado aqui em Luanda e que hoje me fizeram sentir-me farto de tudo isso. 

falo dos eventos de arte que semana sim semana não têm acontecido um pouco por vários cantos do centro de Luanda... exposições que são inauguradas com taças de vinho, rissóis, croquetes e outros salgadinhos, performances de artistas que muitas vezes não percebo a linguagem, os conceitos e outras coisas que a arte deles pretende transmitir, pessoas que vão aos eventos e que em conversas cruzadas mostram-se maravilhadas com as peças, as instalações, as imagens, a apresentação do artista Zacarias e em alguns casos dão-se o direito por serem grandes conhecedores de arte de darem entrevistas aos meios de comunicação social que se fazem sempre presente com jornalistas que mesmo sem perceberem a linguagem artística que o Zacarias usa nas suas peças, convidam as pessoas a darem opiniões com perguntas cheias de nada ou em certos casos com alguma pitada de ignorância! 

nestes eventos que não posso esconder que também frequento com alguma regularidade e confesso até que me relaciono com alguns artistas como o Zacarias, existem sempre aquelas personalidades que do nada se tornaram pessoas importantes no mundo das artes aqui em Luanda, mas que muita gente não sabe bem de onde surgiram e o que fazem. são personalidades que falam com todo mundo ou em alguns casos todo mundo é que se interessa em falar com eles, porque acham sempre que essas pessoas são importantes e vão abrir portas ou conseguir contactos para patrocínios para o evento que também sonham produzir (sim, porque nesses eventos o que se encontra aos montes são produtores de eventos culturais). como diz um amigo meu, essas personalidades são os tais caçadores de sponsors e o mais interessante é que caçam mesmo! 

depois temos os sponsors, essa palavra bonita que muitos preferem expressa-la como pareceria. bancos, operadores de telefonia móvel, grandes marcas de bebidas alcoólicas e outras, aparecem sempre como sponsors de artistas como o Zacarias, onde no dia do evento enviam sempre um funcionário conhecedor de arte que por vezes faz um discurso de como é uma honra e orgulho para sua instituição/empresa investir dinheiro na arte do Zacarias, mesmo quando eles não entendem nada daquilo que o Zacarias quis transmitir nas suas obras. 

temos também aquelas situações em que o Zacarias depois de alguns anos a viver em London, New York, Lisboa, Paris e em muitas outras cidades em que a arte é feita por artistas que na sua maioria não são Zacarias, regressa para banda e se apresenta como o criador de determinado conceito ou linha editorial se é que o termo se encaixa na arte, e começa a criar peças com um valor artístico único e com uma certeza cega de que o seu trabalho apresenta um conceito original nunca antes feito. o Zacarias mentaliza-se com todas as certezas de que tudo aquilo que ele conheceu em London, New York, Lisboa, Paris e em muitas outras cidades nunca foi visto por algumas das muitas pessoas que frequentam os grandes eventos de arte que hoje são apresentados em Luanda, mesmo o Zacarias sabendo que hoje o mundo ficou tão pequeno por causa de uma coisa chamada internet. talvez por ser um artista, o Zacarias não se identifica com expressões como plágio ou imitação, mesmo naquelas situações em que algumas das pessoas presentes na sua exposição sentem-se como se estivessem a ter um Déjà Vu. 

outra coisa que muito me admira é o tempo que demora uma exposição do Zacarias. depois de tanto trabalho, horas e horas passadas no seu ateliê, tanto investimento feito pelo sponsor que se orgulha da parceria estabelecida e muitos outros itens que imagino devem ser necessários antes do grande dia, tenho muita dificuldade em perceber o tempo tão curto que o trabalho do Zacarias fica exposto... até parece os supermercados de Luanda, em que numa semana encontras o teu gel de banho de eleição e na semana seguinte está esgotado! ou será ignorância minha e as peças do Zacarias por serem de grande qualidade artística são vendidas em menos de 10 dias que é o tempo máximo que algumas exposições ficam disponíveis para o público. quem sabe? 

por último e não menos importante, uma palavrinha para a nossa classe jornalística. não sei de quem é a responsabilidade mas infelizmente não vejo na nossa imprensa jornalistas com legitimidade intelectual e académica para fazer critica a esta arte que quase todas as semanas aparecem em alguns espaços pelo centro de Luanda. aliás, é preciso que os meios de comunicação sejam também responsabilizados pelo o trabalho que não fazem ou em muitos casos, pelo mau trabalho que tentam fazer. geralmente os meios de comunicação limitam-se a transcrever os press release que recebem das produtoras que organizam os eventos de arte, sem nunca apresentarem ao publico em geral a sua opinião sincera e frontal sobre o que acharam ou interpretaram na linguagem artística e nos conceitos que o Zacarias usou nas suas peças. no caso da literatura, há vezes até que quase todos os jornais limitam-se a publicar o texto que foi lido pela personalidade que a editora escolheu para fazer a apresentação do livro do Zacarias, e esquecem-se de fazer o trabalho de casa. ler o livro do Zacarias e escrever um texto sobre a obra. 

insisto, não entendo nada de arte, mas naquela casa onde cresci no meio de livros de muitos escritores comunistas da antiga União Soviética e de muita música da África francófona e não só, aprendi um pouco que a arte é uma actividade ou manifestação que se lê, ou seja, se é algo que se lê, então deve ser bem escrito para que as pessoas possam ler e tentar no máximo compreender o que acabaram de ler. se assim não for podemos continuar a chamar de arte? 

alguém disponível em ajudar-me a compreender a definição da arte que tem sido vendida nos últimos anos aqui na minha Luanda.

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