sexta-feira, outubro 09, 2009

o livro e o filme e o filme e o livro

por esse dias chegou-me um envelope com o mesmo conteúdo que recebi faz tempo num pacote perfumado, que alias, depois de abrir o pacote e agradecer-lhe, ficou pousado na prateleira esperando pela sua vez.

do envelope amarelo saiu o mesmo autor, o mesmo titulo e a mesma história que veio no pacote, com a diferença que esta é uma edição de bolso que só por si apresenta menor tamanho, menos paginas e talvez de leitura mais rápida.

tenho lido Budapeste de Chico Buarque ao mesmo tempo que vejo o filme em cópia pirata descarregada alguns dias via torrent. nunca tinha experimentado a sensação de ao mesmo tempo ver o filme de um livro e ler o livro de um filme... já me aborreci com algumas imagens, sorri com as palavras, surpreendi-me com a Teresa do filme que nada tem da minha Teresa e aos 55 minutos e 32 segundos do filme e 64 quatro paginas do livro, estou confuso entre o Costa das palavras e o Costa das imagens.

Eu nada sabia desta cidade, nem pretendia aprender o idioma nativo, fui enviado para pôr ordem na Companhia, e na Companhia só se falava alemão. Não contava conhecer Teresa, que me introduziu ao Chamego do Gambá, boteco onde se tomava cerveja e se cantavam sambas a noite inteira. Ali me iniciei na língua em que me arrojo a escrever este livro de próprio punho, o que seria inimaginável sete anos atrás, quando zarpei de Hamburgo e adentrei a baía de Guanabara. Ao primeiro contato, o idioma, o clima, a alimentação, a cidade, as pessoas, tudo, tudo me pareceu tão absurdo e hostil que caí de cama, e ao me levantar dias mais tarde, vi horrorizado meu corpo pelado e meus pêlos soltos em lençol. Depois conheci Teresa e fui me enfronhado nós país, fui ao boteco, fui à favela, fui ao futebol, à praia custei a ir porque tinha vergonha. Apagava as luzes para dormir com Teresa, mas ela me alisava o corpo inteiro, dizia que eu era gostoso e macio igual a uma cobra. Uma morena como Teresa seria inimaginável sete anos atrás, quando zarpei de Hamburgo. Teria casão com ela, na capela de uma ilha na baía de Guanabara, se ela não tivesse me trocado por um cozinheiro suíço, e foi então que fiquei todo careca, perdi até os pentelhos, os pêlos do sovaco, tudo, e o médico diagnosticou uma alopecia de fundo nervoso. Seria uma peladura temporária, mas não foi, e acabei me acostumando sem os pêlos, que não me faziam mais falta que Teresa, e mesmo sem Teresa acabei me acostumando. Esqueci Teresa como já tinha esquecido Hamburgo, e larguei a Companhia para fundar uma ONG, ou melhor, para catar mulher na praia, o que seria inimaginável sete anos atrás, quando adentrei a baía de Guanabara.

...

Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma (...) e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio ela até gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúmes, deu para me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capitulo quando ela me abandonou. Sem ela perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa. Experimentei escrever uma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas, e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saiam da minha vida, e meu livro se dispersava por aí, cada capitulo ao voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e me ensinou a escrever de trás para diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduíche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: e a mulher amada, cujo leite eu já sorvera, me fez beber da água com que havia lavado sua blusa.
Zsoze Kosta

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