quinta-feira, novembro 29, 2012
terça-feira, novembro 27, 2012
quinta-feira, novembro 22, 2012
Visto e revisto
Há países para onde não se pode viajar se o passaporte não tiver pelo menos duas páginas inteiras limpas. Essa verificação é feita pelo funcionário do check in e, se o passaporte não tiver as ditas páginas disponíveis, não se pode embarcar e a mala não chega a deslizar no tapete rolante que a faz desaparecer até, milhares de quilómetros e de milhas aéreas mais tarde, voltar a aparecer noutro tapete rolante, às voltas.
O motivo para essa preocupação tem que ver com a eventualidade de, uma vez lá, ser possível viajar entre os países vizinhos e, dependendo do tamanho dos carimbos, facilmente se preencher duas ou mais páginas. Esse é o caso, por exemplo, da África do Sul. Onde pude comprovar a necessidade desse detalhe burocrático depois de ter passado pelas fronteiras com a Namíbia, o Botswana e Moçambique. Após essa experiência, aquilo que há mais a lamentar não é o papel, são as horas em que se podia estar a fazer alguma coisa que talvez nunca mais se volte a ter oportunidade de fazer na vida.
Respeito os sentimentos que se pode ter por objetos, como é o caso de pequenos cadernos de capa avermelhada, mas não sou capaz de senti-los completamente. Conheço muitas pessoas que vão à polícia dizer que o seu passaporte foi roubado apenas para, na hora de fazerem um novo, não terem de deixar o antigo. Não é esse o meu caso. Custa-me pouco entregar um passaporte cheio de carimbos e vincado por viagens e viagens no bolso de trás das calças. Não reconheço naquelas páginas mal carimbadas o melhor das viagens que fiz.
Consigo perceber que um passaporte cheio de carimbos se assemelha bastante a uma caderneta de cromos. Respeito os sentimentos que se pode por cadernetas, sobretudo quando já se conseguiu aquele cromo mais difícil. No entanto, para mim, recordam-me muito mais os momentos de tensão em que fiquei diante de um polícia, sentando numa cadeira alta, a olhar muito serio para mim, a fazer-me perguntas com mau tom (O que é que vem fazer ao País? Onde fica hospedado? Quando é a sua viagem de regresso?) e carimbar o passaporte contrariado, atirando-o para cima do balcão, sem olhar para mim, sem agradecer e sem se despedir. Os estudantes licenciados em Direito de certeza que haveriam de ter muito a dizer sobre este assunto. Seria interessante ouvir as suas razões, no entanto, acabei de chegar a minutos da Embaixada da Índia e os meus instintos dizem-me que todo a gente teria a ganhar se não existissem esse papéis, se não fosse preciso desperdiçar estas horas à espera que chamem o número do talão. Considerando o que se paga por cada visto, imagino que seja uma atividade que se financie a si própria e que dê algum lucro, mas acredito a senhora que passa os dias a responder às mesmas perguntas atrás de um vidro preferisse dedicar a sua vida a outra atividade. Talvez algo ao ar livre.
Se houver algum problema, o que esperam resolver com duas fotografias tipo passe? A única vantagem, parece-me, é que, assim, obrigam-nos a descobrir ruas do Restelo onde talvez nunca entrássemos. Descubro-as com o GPS, tal e qual como se estivesse perdido na savana africana. Afinal, talvez essas voltas também façam parte. Talvez a viagem já tenha começado.
O motivo para essa preocupação tem que ver com a eventualidade de, uma vez lá, ser possível viajar entre os países vizinhos e, dependendo do tamanho dos carimbos, facilmente se preencher duas ou mais páginas. Esse é o caso, por exemplo, da África do Sul. Onde pude comprovar a necessidade desse detalhe burocrático depois de ter passado pelas fronteiras com a Namíbia, o Botswana e Moçambique. Após essa experiência, aquilo que há mais a lamentar não é o papel, são as horas em que se podia estar a fazer alguma coisa que talvez nunca mais se volte a ter oportunidade de fazer na vida.
Respeito os sentimentos que se pode ter por objetos, como é o caso de pequenos cadernos de capa avermelhada, mas não sou capaz de senti-los completamente. Conheço muitas pessoas que vão à polícia dizer que o seu passaporte foi roubado apenas para, na hora de fazerem um novo, não terem de deixar o antigo. Não é esse o meu caso. Custa-me pouco entregar um passaporte cheio de carimbos e vincado por viagens e viagens no bolso de trás das calças. Não reconheço naquelas páginas mal carimbadas o melhor das viagens que fiz.
Consigo perceber que um passaporte cheio de carimbos se assemelha bastante a uma caderneta de cromos. Respeito os sentimentos que se pode por cadernetas, sobretudo quando já se conseguiu aquele cromo mais difícil. No entanto, para mim, recordam-me muito mais os momentos de tensão em que fiquei diante de um polícia, sentando numa cadeira alta, a olhar muito serio para mim, a fazer-me perguntas com mau tom (O que é que vem fazer ao País? Onde fica hospedado? Quando é a sua viagem de regresso?) e carimbar o passaporte contrariado, atirando-o para cima do balcão, sem olhar para mim, sem agradecer e sem se despedir. Os estudantes licenciados em Direito de certeza que haveriam de ter muito a dizer sobre este assunto. Seria interessante ouvir as suas razões, no entanto, acabei de chegar a minutos da Embaixada da Índia e os meus instintos dizem-me que todo a gente teria a ganhar se não existissem esse papéis, se não fosse preciso desperdiçar estas horas à espera que chamem o número do talão. Considerando o que se paga por cada visto, imagino que seja uma atividade que se financie a si própria e que dê algum lucro, mas acredito a senhora que passa os dias a responder às mesmas perguntas atrás de um vidro preferisse dedicar a sua vida a outra atividade. Talvez algo ao ar livre.
Se houver algum problema, o que esperam resolver com duas fotografias tipo passe? A única vantagem, parece-me, é que, assim, obrigam-nos a descobrir ruas do Restelo onde talvez nunca entrássemos. Descubro-as com o GPS, tal e qual como se estivesse perdido na savana africana. Afinal, talvez essas voltas também façam parte. Talvez a viagem já tenha começado.
José Luís Peixoto, escreve com acordo ortográfico
terça-feira, novembro 13, 2012
um convite aos de lá
Apareça na Livraria Buchholz
Esta TERÇA a partir das 18:30h
Lançamento do livro “Os transparentes”.
uma conversa
algumas leituras
alguns autógrafos
...
Outras datas
dia 15 (qui): Porto, Faculdade de Letras Porto (14:30h)
sala 201
16 (sex): Porto: participação debate/Colóquio Jorge Amado
às 9:45am (faculdade de Letras, Porto)
17 (sáb): Vila Real (18h)
19 (seg): Matosinhos, Biblioteca Municipal (18h)
20 (ter): Santiago de Compostela (19h)
21 (qua): Coimbra, (18h) autógrafos na livraria
“Lápis de Memórias” (Av. Elisio de Moura, 29)
22 (qui): Barreiro, Biblioteca Municipal (21h)
23 (sex): Loures, Biblioteca Municipal (21h)
sábado, novembro 10, 2012
quinta-feira, novembro 08, 2012
sabe bem voltar... voltar a ler.
Parece-me mais fácil ter fé em Deus, não obstante ser algo tão para
além da nossa limitadíssima compreensão, do que na arrogante
humanidade. Durante muitos anos, afirmei-me crente por pura
preguiça. Ser-me-ia difícil explicar a Odete, a todos os outros,
a minha descrença. Também não acreditava nos homens, mas isso as
pessoas aceitam com facilidade. Compreendi ao longo dos últimos
anos que, para acreditar em Deus, é forçoso confiar na humanidade.
Não existe Deus sem humanidade.
Continuo a não acreditar, nem em Deus, nem na humanidade.
Desde que Fantasma morreu cultuo o espírito d´Ele. Converso com
Ele. Julgo que me escuta. Acredito nisso não por um esforço
da imaginação, muito menos da inteligência, mas por empenho
de uma outra faculdade, a que podemos chamar desrazão.
Converso comigo mesma?
Pode ser. Como, aliás os santos, aqueles que se vangloriavam de
conversar com Deus. Eu sou menos arrogante. Converso comigo,
julgando conversar com a alma doce de um cão. Em todo o caso são
conversas que me fazem bem.
Ludovica Fernandes Mano em Teoria Geral do Esquecimento
de José Eduardo Agualusa
de José Eduardo Agualusa
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