segunda-feira, junho 30, 2014

em terras da calhangu...

no regresso de Tchinanamata, uma aldeia à 63 km da cidade do Luena, comecei a escrever mentalmente um texto para contar mais uma experiência de viagem para um lugar que meche com as minhas raízes. 

no avião, já no regresso para Luanda, comecei a ler um livro que apagou da minha memória tudo o que já tinha escrito! 

– Luena era uma cidade esquecida. Mesmo durante o período colonial. Uma cidade que só existia graças ao comboio. O meu pai trabalhou lá durante algum tempo. No caminho-de-ferro. – A voz dela soa nasalada e embargada pelas lágrimas. – Ninguém podia sair da cidade sem uma escolta militar, até o comboio precisava de escolta militar. – As recordações parecem animá-la um pouco mais e esboça um leve sorriso. – Havia sempre soldados a chegar e a partir, por causa de guerra, e isso dava uma certa animação, um certo alento. 

A oitocentos quilómetros a leste de Luanda, a cidade de Luena situa-se no coração do Moxico, uma vasta província pouco menor do que a totalidade da Grã-Bretanha. Apesar de longínqua, nunca foi totalmente esquecida, nem pelos portugueses, que a consideraram suficientemente relevante para aí abrirem uma sucursal de um dos maiores bancos, o Banco Pinto e Sotto Mayor. Foi lá que Maria, empregada na agência local do banco e, à época, com 25 anos, conheceu e se apaixonou por um jovem português seu colega. 

Victor Manuel Reis chegara a Angola em finais da década de 1960, integrado no exército português. Tinha, então, 17 anos. Tendo-lhe sido dada a possibilidade de escolher entre duas colónias, Guiné-Bissau e Angola, decidira-se pela segunda, por ser considerada a escolha mais segura. Aquela, como afirma Maria, que tinha «uma guerra uma pouco menos intensa», aquela onde eram maiores as hipóteses de se voltar vivo para casa. 

Todavia, quando, em Novembro de 1975, foi declarada a independência, o jovem soldado bebera já a água do rio Bengo, como diz o ditado. Em termos de mentalidade, estava completamente mudado. «Adorava Angola», conta Maria. «Adorava o MPLA. Queria tornar-se angolano e adoptar a nacionalidade angolana.» Assim, às vésperas da libertação oficial do colonialismo, enquanto centenas de milhares de outros portugueses fugiam da colónia aterrados com a possibilidade de serem assassinados pelos africanos que eles e os seus antecessores haviam explorado durante 500 anos, Victor exultava. Integrou-se mais ainda na sociedade angolana, decidido a abraçar uma determinada concepção de liberdade, igualdade e independência. 
Lara Pawson in Em Nome do Povo

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