segunda-feira, julho 23, 2007

boa leitura


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em Luanda táxi se chama candongueiro, é azul, é Toyota Hiace, não tem porta e cabem lá dentro até 50 pessoas. Tem motorista e tem o cobrador que vai metade dentro metade fora gritando o destino: “Éroporto, éroporto, Ávenida Brasil, Avenida Brasil, Rangel, Rangel”, etc.
O nosso Afonso Henriques queria, agora, ir para casa e fez sinal de paragem no candongueiro.
A tripulação do mesmo candongueiro esfregou os olhos, O qu’é qu’é qui o kota istá querendo? Pára ai, mano, vamos lhe tratar! Entra kota mundele, para onde estas querendo ir? Eu sou português e de Trás-os-Montes, vocês passam lá? Sim, kota, a gente passa lá.
O candongueiro ia vazio mesmo, naquela hora tão cedo de domingo, o publico ainda não circulava, estava nós maruvos.
- Hei, mano, vamos tratar aí do kota, vira ai no bairro do Quinanga.
E saíram do caminho, foram na avénida Agostinho Neto, meteram na terceira à direita, depois na esquerda, segunda, enfim se perderam no emaranhado propositado e pararam o candongueiro num local deserto, metia cagaço. Aí o dikota rabujou:
- Este não é o caminho para a Rua da Missão! Para onde me levais?
Oi kota mundele – estigou um dos mbumbus, tu nós vais dar o teu relógio e tua carteira e queremos o teu kumbú também. E lhe seguraram nós braços, sua força estava diminuída pela tibaria excessiva e Afonso Henriques foi roubado do relógio mais a caneta bonita, e da carteira lhe tiraram só os troco, mas lhe pregaram um susto.
As coisas aqui acontecem depois como se pode saber, se ninguém viu?
As oito e vinte da manhã, cubava o seu terceiro sono profundo um dos amigos do Zé, o Rui. Sente uns passos pesados de alguém que sobe a escada para o seu apartamento, até que batem violentamente na porta, pancadas pesadas, campadas, uma voz sortindo lamentosos jingolôlos.
Quem é? Sou eu, o Zé. Rui, vai-te embora deste pais, disse, ar esgazeado, roupa em desalinho, enquanto o Rui lhe abria a porta, roubam-nos tudo! O que foi? Que aconteceu? Roubaram-me no candongueiro, agarraram-me e queriam bater-me, O que te roubaram? O relógio que a minha mãe me deu a caneta de ouro e dinheiro da carteira, quanto? 15 dólares. Só tinhas isso?
E, então, veio a resposta surpreendente do kota mais camundongo da cidade: “O resto não me roubaram, pois quando ainda estava na buate, escondi o dinheiro no sapato!”
Era e continuou a ser sempre assim o Afonso Henriques kota mundele.

Luís Mascarenhas Gaivão em Estórias de Angola

3 comentários:

João Carlos Carranca disse...

Salucombo

só te posso dizer mesmo: 5 estrelas

ELCAlmeida disse...

Tive a sorte de estar presente quando Luis Mascarenhas Gaivão lançou o livro em Lisboa na Casa de Angola e mo autografou.
Um livro para ler, reler no mais puro dos divertimentos.
Como escreve JCCarranca é um livro de luxo - 5 estrelas.
Cumprimentos
Eugénio Almeida

Anónimo disse...

Ngoi, há algum tempo deparei-me com este livro numa livraria, aqui para os lados da Lusa Atenas. O título aliciou-me e tá visto comprei-o. Em boa hora o fiz porque foi uma autêntica diversão a sua leitura.

1 abraço do: carlos

(o prometido é devido!)