terça-feira, março 10, 2009

Manuel Alegre

Sempre tive ciúmes. Gostavas que olhassem para ti. Gostavas que os homens se batessem por ti. Gostavas sobretudo que eu me batesse por ti. E assim era. Eu, o herói, batia-me contra os outros, contra tudo e contra todos, tentando impedir que se apoderassem de ti, que ora eras Maureen O´Hara, ora Ava Gardner ou Cyd Charisse (com quem, aliás, te parecias), aquela que eu, Gregory Peck, Gary Cooper ou Burt Lancaster tinha de salvar ou reconquistar: Contra os outros, os maus, os vilões.

Gostavas que gostassem de ti, te desejassem, te cortejassem. Eras ainda muito nova e já giravam à tua volta. Pensando bem, foi sempre assim. Talvez fosses tu que os provocavas, tinhas esse dom. Não sei por que o fazias, precisavas de corte, fosse para me exasperar, fosse porque assim te sentias mais tu mesma.

Só muito mais tarde compreendi que era uma forma de te defenderes do lado obscuro que havia em ti e do pânico que por vezes te invadia sem que nunca soubesses explicar porquê. Talvez por causa de Mercedes, tua mãe, esse mistério.

- São sombras, dizias, sombras e sombras.

Há pessoas que trazem em si a solidão como uma doença que ninguém pode curar. Assim eras tu: havia uma parte de ti inalcançável. De repente ficavas triste, começavas a correr para lado nenhum ou então nadavas para longe, até ao limite, até ao risco. Fugias de uma invisível ameaça e dir-se-ia que corrias para o perigo. Era um medo do desconhecido, talvez um pressentimento.

- Sombras, dizias, sombras negras.

Quem sabe se a dor de ser.

Estavas de mão dada comigo e de subido eu falava e não ouvias. Estavas ali e já não estavas. O teu reino era outro reino. Desde sempre, diria Rosário, minha mãe. Mas não o disse. Nem mesmo depois da conversa que tiveste com ela pouco antes de tia Filipa morrer.

- Tenho saudades, disseste, uma tarde, em Alba, tenho saudades e não sei de quê, estamos aqui e já tenho saudades de estar aqui, tu estás comigo e eu tenho saudades de ti como se já não estivesses cá, está tudo a passar, o tempo, a vida, está tudo a passar muito depressa.
- Tenho saudades, dizias. Saudades do que foi, do que está a ser, do que será, sobretudo do que não será.

O que mais me impressionava era quando, depois de um silêncio prolongado, olhavas para mim, sorrias tristemente e dizias: Amanhã morrerei, amanhã morreremos.

Dizias muitas vezes esta frase, desde muito cedo e ao longo dos anos em que nos encontrámos e desencontrámos.

Hoje creio, pelo menos tento convencer-me, que só comigo eras tu própria. Mesmo quando eras tu e a outra, essa desconhecida que havia em ti. Uma rapariga especial, diria Rosário, minha mãe. Não vou escrever o teu nome, ainda não. tenho receio que apareças e me digas Olá, inesperada, como sempre, para depois, mais uma vez, como sempre, desapareceres.

Razão tinha Afonso Furtado: certos amores são perigosos, passam e não passam.

4 comentários:

Jorge de Lima disse...

Salve, salve!

Não acredito em amores perigosos, mas em pessoas perigosas.

O amor é modificado c/ o tempo.
Tenho muita experiência nessa coisa boa.
Amar é bom e nunca faz mal; quando de fato é amor.

Abraços.

pecado original disse...

O Manuel Alegre é uma benção!

Anónimo disse...

Andas por demais repetitivo, pareces que se perdeu por aí.
Gostava daquele que tinha muito por dizer de Angola, minha terra.

Miguel S

Salucombo_Jr. disse...

Miquel S,
não deixa de ser uma verdade que tenho estado repetitivo, mas é assim que estou! talvez mude, talvez continue ou nenhuma nem outra, não sei, quem sabe?

sobre “Angola” continuo a falar todos os dias aqui http://portfoliophotografico.blogspot.com/

abraço