[um jornalista (Tiago Carrasco), um fotógrafo (João Henriques) e um repórter de imagem (João Fontes) aventuraram-se durante 5 meses numa viagem de 30 mil quilómetros, passando por 19 países, da capital portuguesa até a principal cidade da Copa do Mundo, Joanesburgo. Publicada na Revista Única, compartilho aqui à aventura num copy/paste sem censura.]
Guiné – Bissau
Em Bissau, voltámos a sentir o sabor a casa, com croquetes, bacalhau e cerveja portuguesa. O que não soube tão bem foi ver o estado de Bolama, a ilha que foi a primeira capital da Guiné colonial. Os outrora airosos edifícios governamentais são hoje habitados por porcos e vacas, a circulação de dinheiro e de alimentos é escassa, os fios eléctricos foram cortados para comercializar o cobre. A ilha está às escuras. Desejos de uma luz ao fundo do túnel, os bolamenses partiram para Bissau, mas não tiveram melhor sorte. De todas as capitais africanas que conhecemos, Bissau é a mais precária; não há luz nem água corrente, não há fabricas nem esperança. O trafico de droga continua a ser um flagelo, e descobrimos uma tabanca em que a droga que deu à costa foi usada para espalhar pelo corpo em rituais tradicionais e para marcar as linhas do campo de futebol. Contudo, Bissau é um caso de estudo; mesmo com tanta miséria, quase não existe criminalidade, e vimos os guineenses festejar o seu Carnaval híbrido, mistura de herança portuguesa com a cultura local, com uma festividade inigualável. Terminamos a nossa estada em Tabato, uma aldeia griot, totalmente habitada por músicos. Quem nasce nessa comunidade tem de tocar bafafon (xilofone africano), e o instrumento, uma das únicas peças de decoração, deve ser guardado num dos cantos da sala nua. Cantámos e dançámos com a tribo e percebemos que, no silencio da noite, há sempre um balafon a tocar no meio dos cajueiros, acompanhado à capela pelos gritos de dor libertados pelas crianças nos rituais de circuncisão.
Mali
Tínhamos de ver um concerto de Salif Keita, o rei da música africana. A única maneira de fazê-lo era penetrar na festa de encerramento do Fórum África, organizado pelo primeiro-ministro, a decorrer no melhor hotel da cidade. Furámos as barreiras de segurança e desfilámos de calções e boné no jardim privado, ao lado das mais destacadas figuras do país e debaixo dos holofotes da televisão nacional. A operação valeu a pena: vimos o concerto nos bastidores, colados ao palco. Infelizmente, o cantor recusou-nos a entrevista. De Bamako, a mais musical cidade africana, partimos para a falésia de Bandiagara, a terra dos Dogon, uma tribo que há mais de 600 anos se esconde dos invasores em aldeias inóspitas cravadas na pedra. Os tempos de sossego parecem ter chegado ao fim. Desde que foi considerado Património da Humanidade pela UNESCO, o país Dogon tem sido assaltado por turistas. Nas aldeias mais visitadas tem-se perdido a autenticidade cultural e a arqueologia Dagon tem vindo a ser saqueada a preços ridículos em lojas de artesanato. Por outro lado, há ainda aldeias perdidas no tempo ao longo dos 200 quilómetros de extensão da falésia. Em Nandoli, um mundo de pedra e terra infértil, os 1200 habitantes da aldeia têm o mesmo apelido, Tapily, porque pertencem à mesma família. E a sua estranheza perante o branco é tão grande que quando sentámos à sombra para comer atum e feijão em conserva fomos rodeados por uma turba de miúdos curiosos que não nos tirava o olhar de cima. Ou seria fome?
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