quarta-feira, dezembro 28, 2011

o lugar onde se termina um livro

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O Crisóstomo foi pedir a Isaura em casamento na areia. Sentaram-se. O Crisóstomo levara uma ceira com toalha e lanche. Ela disse: sou um bocado maluca, fiquei muito tempo sozinha e talvez tenha cometido erros e estragado coisas na minha alma. E ele dizia: pois eu também sou um bocado maluco, e fiquei muito tempo sozinho, talvez tenha cometido erros e estragado tantas coisas na minha alma. Se casarmos para nos estragarmos um ao outro, talvez alguma coisa se componha. Sinto que é mais fácil ser maluco quando estou contigo. É melhor. E ela respondeu: deixas-me ser mãe do menino. E ele disse: deixo. Então aceito, disse ela. Se casassem, ela queria caber em tudo da vida do Crisóstomo. Queria ser tudo na vida dele. Mesmo maluca e sem discursos. Comprava e vendia as felicidades e as tristezas com essa simplicidade de dizer que sim. Depois espantou-se com o lanche. Havia doces ainda mais esquisitos que o requintado de mirtilo, e havia torradas com feitios, como se fossem bonecos de brincar, e havia bebidas mais importantes, com rótulos ilegíveis e uns copos de vidro grosso que lembravam o anel que ele lhe dera. E ele disse: não tenho dinheiro para mais anéis como esse, mas dou-te um copo e fico com o outro, fazem conjunto. Ela percebeu que estava tudo premeditado, que ele andava a preparar-lhe a festa há tempo e queria muito que ela aceitasse. A Isaura, que ainda não sabia quase nada sobre o amor, achou que era já feliz, mais feliz do que haviam sido os seus pais. Talvez pudesse começar a perder o medo. Talvez pudesse mudar. Poderia perder a tristeza lentamente. Disse que começaria a falar mais vezes sozinha até aprender a falar. Até aprender a verbalizar o que sentia. Ele jurou fazer o mesmo.
Jurado ali, na areia, ambos sentiram que a natureza toda os entendia e geria a sua inteligência para favorecer os seus desejos.

Puseram-se de luz, como se caíssem de um candeeiro.

termina assim o penúltimo capitulo do livro O filho de mil homens de Valter Hugo Mãe. ontem, tinha o carro estacionado na baixa de Luanda de frente ao edifício onde funcionam as alfandegas, quando terminei de ler o livro. nunca tinha pensado no lugar onde terminei um livro, com excepção do comboio/metro e o avião que evito sempre porque depois fico sem nada para fazer.

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