sexta-feira, janeiro 20, 2012

estou no voo de regresso da Martinica e a menina do meu lado tem um saco transparente cheio de pedaços de cana-de-açúcar que vai chupando um à um exactamente como fiz na tarde que passei em casa de um jovem casal para onde fui convidado. o convite foi feito por alguém que mais do que passar a tarde numa varanda com uma vista única, na verdade era para ser uma tarde de recordações para eles porque aquele quintal presenciou muito da infância daquelas pessoas. a casa era linda e apresentava uma decoração igual a muitas que vi pela ilha com a excepção da cozinha americana com o lava-louça no meio do salão, detalhe que destoava mas que acabou por ser preponderante para a beleza daquele espaço. fomos recebidos na varanda numa enorme mesa de madeira com os aperitivos de sempre e mais uma novidade para o convidado que vinha de África mas que não falava francês... havia uma tigela com pedacinhos de cana-de-açúcar onde cada um se servia e chupava sem qualquer transtorno, todos parecíamos crianças conversando a volta daquela tigela cheia de uma guloseima 100% natural.

na casa onde cresci havia no meio das plantas da minha mãe uma pequena plantação de cana-de-açúcar que se misturava com o chá de caxinde, e foi nessa altura que tive a primeira experiencia de chupar cana-de-açúcar. não cortávamos em pedacinhos, não conservávamos os pedacinhos na geleira e muito menos comíamos na mesa... para nós, a cana-de-açúcar era descascada com os dentes mesmo que a mãe se zangasse, comíamos sentados no chão do quintal e estávamos sempre de cuecas porque segundo me lembro, dizia-se que o suco da cana manchava a roupa para nunca mais sair! foram tempos que tinham um sabor próprio.

o momento da cana-de-açúcar em casa daquele jovem casal foi um entre muitos que passei na Martinica como forma de déjà-vu de uma infância que apesar de todos as dificuldades e diferenças, ainda assim não tenho duvidas de que a minha meninice foi muito bem açucarada.

esta ilha fez-me ver mais uma vez que apesar da distancia e das grandes diferenças entre os povos, cada um no seu cantinho teve os seus problemas e as suas alegrias e mesmo que hoje cada um dos povos no seu cantinho tenha tido a sua sorte, uns melhores que os outros, a verdade é que todos sem excepção querem que os seus filhos tenham momentos de cana-de-açúcar.
nesse pedaço de terra que pertença a França vi muitas coisas que discordo e outras tantas que dificilmente perceberei, e apesar de ser natural de uma país com montes de coisas esquisitas, não tive receio algum em perguntar, discordar ou opinar sempre que tive oportunidade e o gratificante foi que mesmo na discórdia as minhas opiniões foram ouvidas e respeitadas.

infelizmente, sinto sempre que nunca consigo agradecer o suficiente as pessoas que tão bem me tratam em muitos lugares que passo, é um sentimento de duvida que acho legitimo talvez porque hoje o bem e o mal andem tão próximo.

aos Terrakota que nestes últimos dias têm me feito tão bem com a sua música e as várias pessoas que receberam tão bem um estranho e que jamais saberão que escrevi sobre elas.

a todos, merci beaucoup.

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