Suponho que para a maioria das pessoas o sentimento de regresso a casa, após uma ausência prolongada, seja algo que experimentam assim que as portas do avião se abrem. Para outras leva mais tempo, têm de se sentar na sua poltrona preferida e saborear um bom charuto. Fazer amor com a esposa. Dormir um tranquilo sono. Passear no parque com o cão. Tomar a bica no café da esquina. Etc. Para mim, é o funge de sábado. A comprida mesa de madeira, no pátio – com o meu irmão, as minhas duas irmãs, e respectivos namorados, tios e tias, primos e primas, e Cuca, a minha mãe, a presidir à assembleia, de vestido branco, colares de prata, brincos de madrepérola, como uma rainha no seu palácio de Verão. Contam-se anedotas, desfiam-se velhas estórias. Por vezes alguém traz um violão e recordam-se canções do tempo das lutas, ou até um pouco mais antigas, as canções do avô Faustino, aquelas que ele escreveu para avô, e que ela canta, mãos postas, olhos fechados, com uma voz de dióspiro bem maduro. Se chegar a Luanda numa segunda-feira permaneço cinco dias em estado de ansiosa incompletude: vagueio pela cidade com a consciência de que ela se vai manifestando bruscamente ao meu redor, as duras esquinas concretas a crescerem para mim, o feroz metal azul-bebé dos candongueiros, as praças onde os mutilados combatem à bengalada, ou à cabeçada, dependendo de terem ou não terem braços. Cabeça normalmente têm. Falta-me algo, todavia, e essa ausência deixa-me nervoso, o coração apertado de angustia, como um pára-quedista que depois de saltar, numa vertigem, vendo aproximar-se o chão, descobre que lhe falta o pára-quedas. Só sinto que verdadeiramente regressei depois que me sento, ao sábado, à grande mesa, no pátio da casa da minha mãe.
Sábado passado foi assim, sentei-me, bebi, comi e conversei, e voltei a beber, a comer e a conversar. Ri-me até as lágrimas, entre um copo e outro, do que me contava um primo, piloto militar, sobre a companhia aérea nacional, que tendo adquirido seis ou sete aviões se esqueceu entretanto de formar novas tripulações. Finalmente encostei-me para trás e achei-me em condições de proclamar, satisfeito:
Povo, cheguei!
José Eduardo Agualusa em As Mulheres do Meu Pai
1 comentário:
Eu já li esse livro.
Gosto da escrita do Agualusa.
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