terça-feira, julho 12, 2011

Schoelcher, 26/06/2011

Numa pequena história de Roman Gómez de la Serna conta-se que dois comboios chegam, num determinado momento, à mesma estação, vindos em sentidos opostos. No momento da paragem na estação, um homem na janela de um comboio olha para uma mulher que está na janela do outro comboio. E o olhar entre esse homem e essa mulher é tão forte que quando os dois comboios arrancam, arrancam na mesma direcção. Eis uma bela história de amor, e a viagem idealizada. A viagem que muda o viajante e que muda o mundo (ou, pelo menos, a direcção dos comboios, o que já não é mau).

Mas a viagem já há muito que não é o que se pensa. Deixou de ser a mera deslocação no espaço. E isso porque o conceito de presença física também mudou muito. Para os Gregos antigos não havia qualquer dúvida – estar presente era poder tocar e ser tocado. Mas a tecnologia recente mudou isso: podemos estar presentes pela voz, pela imagem, pelo envio da informação – e ter o corpo no outro lado do mundo. Quando falo com alguém ao telefone ele está presente, mas não o posso tocar – isso é claro. Daí que a definição de presença física deve ser alterada: eu estou onde está a minha atenção, não onde estão os meus sapatos. O internauta, por exemplo, está na sala, mas onde está a sua atenção. Pode, então, estar no outro lado do mundo.

Viajar não é, por isso, assim tão simples. Não basta voar para uma cidade longínqua porque só viajamos quando levamos connosco a nossa atenção. Eis, aliás, o elemento essencial da bagagem. Muitas vezes fazemos minuciosamente as malas, com todos os objectos necessários, mas esquecemos de embarcar com o essencial: a nossa atenção. Onde deixamos a nossa atenção? Num objecto que fica em casa, num problema, numa pessoa.

Aliás, é isso mesmo que acontece com os apaixonados. Quem está apaixonado, se viajar sozinho, é evidente que não sairá do lugar, mesmo que percorra milhares de quilómetros. É que, por definição, a atenção da pessoa apaixonada está, por completo, localizada na pessoa amada. Um apaixonado que viaje sozinho não sairá do sítio.

- Trouxeste tudo?
- Não, esqueci a minha atenção.
- E onde a esqueceste?
- Tenho quase a certeza que a deixei perto da mulher que amo.

“O meu corpo não está contido entre as minhas botas e o meu chapéu”, já dizia um conhecido verso de Walt Whitman. Só viajamos quando mudamos a posição da nossa atenção.
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