quinta-feira, janeiro 26, 2012

Luanda, 436

a cidade está de aniversario mas não mudou, não que tinha de ser ela a mudar, na verdade quem não mudou são as mesmas pessoas que continua a maltratar esse espaço que é de todos nós... não mudaram os mesmos Bancos que ganham prémios oficiais como instituições que cuidam do planeta terra mas que no mês seguinte derrubam uma escola do ensino primário no centro de Luanda em que o edifício nos contava uma história do antigamente, para lá construir um edifício mais alto, mais bonito, com mais vidros, com mais betão e de certeza mais desenvolvido!

a cidade não mudou, porque na verdade são os mesmos que têm responsabilidades acrescidas que ao mesmo tempo são os sócios anónimos de um monstro chamado Sector Imobiliário.

a cidade não mudou, porque na verdade muitos de nós aos poucos vamos perdendo a esperança, e quando ainda temos algumas, há sempre alguma coisa nova que aparece para tirar essa esperança como a moda de transformar os largos em salões de festas!

ontem, alguém afirmou que perdeu a esperança porque acredita que a única coisa que sobreviverá serão as igrejas. sinceramente, sinto que ele esteja com a razão.

Lista de desobrigações

Sinto sempre que regressarei a todos os lugares sonde vou. Nunca me aconteceu estar numa cidade ou num país e pensar que tinha obrigatoriamente de ver algo porque nunca mais lá regressarei. Posso estar nos lugares mais recônditos e inusitados, mas nunca me sinto na obrigação de provar o bolo que só existe naquela região ou de apreciar determinada paisagem única. Eu sei que todas as paisagens são únicas e qualquer bolo é sempre único no momento em que é comido. A obrigação, principalmente a auto-imposta, é um dos maiores obstáculos à fruição tranquila, sem rugas de um espaço e de um momento. Ter de ir a um determinado lugar, ter de fazer determinada coisa, ter de consumir determinado produto. As listas de tarefas são úteis quando se tem de tratar do IRS ou da Segurança Social. Nas Seychelles, em São Tomé e Príncipe ou na República Dominicana, são uma perda de tempo precioso.

Já estive em Roma cerca de dezenas de vezes e nunca entrei na Capela Sistina. Não sinto a menor preocupação. Sem precisar de o repetir para mim próprio, sem palavras, acredito que, mais cedo ou mais tarde, terei essa oportunidade. Como aquela expressão da montanha e de Maomé, parece-me que mais do que ser eu a ir à Capela de Sistina deverá acontecer o contrário. Tenho essa impressão, mas não se trata de uma crença ilimitada. Eu não creio que, necessariamente, irei à Capela de Sistina. Conheço bem a fragilidade e a transitoriedade de tudo isto. Amanhã, ou ainda hoje, podem acontecer mil acidentes que me impeçam de regressar a Itália, a Roma ou, sequer, de sair da minha casa, da minha cama. Posso, com grande facilidade, parar de respirar. Ainda assim, concretizando-se esse destino, sei que se não fui à Capela de Sistina foi porque não era para ter ido. Estive noutros sítios, que me construíram e me definiram.

Na primeira vez que fui a Nova Iorque, não fui ao Metropolitan. Neste momento, já o visitei três vezes e, em cada uma delas, apenas repeti aquilo que quis repetir. Também nessa primeira vez, fui ao Guggenheim com intenção de visitá-lo, mas estava fechado. Depois disso, já passei várias vezes à porta desse museu, mas ainda não se conjugaram as circunstâncias que me permitissem entrar. Zero ansiedade em relação a esse assunto. Não sou capaz de expor todas as razões que fazem que encare as viagens desta forma, não creio que seja apenas uma questão de decisão, de vontade, de haver alguma raiz mais profunda. Em qualquer dos casos, posso garantir que é uma postura bastante confortável. Estar longe dos lugares que conhecemos melhor é um convite ao imprevisto. É muito habitual que os planos saiam frustrados: ou porque chove nos dias em que pensámos passear no jardim ou porque o mapa tem um erro de impressão. Em qualquer uma dessas situações, é de grande valor concedermo-nos a nós próprios a tranquilidade de apreciarmos um copo de água de uma torneira internacional, ou de caminharmos entre a multidão estrangeira, ou, simplesmente, de desfrutarmos de um qualquer pôr de Sol quase igual àquele que conhecemos desde sempre.

José Luís Peixoto escreve mensalmente na revista Volta ao Mundo




quarta-feira, janeiro 25, 2012

segunda-feira, janeiro 23, 2012

personagens dos meus dias XXI

provavelmente, nunca conseguirei escrever detalhadamente sobre este momento.

ontem cruzei-me com o Waldemar Bastos na Avenida da Liberdade e conversamos mais de uma hora como se fossemos amigos!

sexta-feira, janeiro 20, 2012

um convite aos de lá


personagens dos meus dias XX

o Mhalic é um tunisino que encontramos na linha 13 do metro de paris, é músico e toca um instrumento que tem sons que se parecem com aquelas musicas para sessões de ioga.

quando apercebeu-se do nosso interesse aproximou-se de nós e parecia que só tocava para nós. agradecemos e metemos conversa... o Mhalic falou de muita coisa mas principalmente do Ben Ali, segundo ele roubou o país, destruiu a mentalidade das pessoas, fez isso, aquilo e outras coisas, mas agora, segundo ele tudo está melhor e o país tem todas as condições para ser o melhor de África.

notando o entusiasmo nas palavras e na face do Mhalic, pedi ao meu interprete para perguntar-lhe o que faltava agora para ele regressar a Tunísia.

olhou directamente para o fundo dos meus olhos e quando parecia que as suas vistas começavam a ficar molhadas suspirou e arrumou o instrumento, o metro parou em Duroc, as portas se abriram e ele se foi despedindo e agradecendo o que lhe tínhamos dado.

quando olhamos uns para os outros reparamos que estávamos muitas estações a frente do nosso destino.
estou no voo de regresso da Martinica e a menina do meu lado tem um saco transparente cheio de pedaços de cana-de-açúcar que vai chupando um à um exactamente como fiz na tarde que passei em casa de um jovem casal para onde fui convidado. o convite foi feito por alguém que mais do que passar a tarde numa varanda com uma vista única, na verdade era para ser uma tarde de recordações para eles porque aquele quintal presenciou muito da infância daquelas pessoas. a casa era linda e apresentava uma decoração igual a muitas que vi pela ilha com a excepção da cozinha americana com o lava-louça no meio do salão, detalhe que destoava mas que acabou por ser preponderante para a beleza daquele espaço. fomos recebidos na varanda numa enorme mesa de madeira com os aperitivos de sempre e mais uma novidade para o convidado que vinha de África mas que não falava francês... havia uma tigela com pedacinhos de cana-de-açúcar onde cada um se servia e chupava sem qualquer transtorno, todos parecíamos crianças conversando a volta daquela tigela cheia de uma guloseima 100% natural.

na casa onde cresci havia no meio das plantas da minha mãe uma pequena plantação de cana-de-açúcar que se misturava com o chá de caxinde, e foi nessa altura que tive a primeira experiencia de chupar cana-de-açúcar. não cortávamos em pedacinhos, não conservávamos os pedacinhos na geleira e muito menos comíamos na mesa... para nós, a cana-de-açúcar era descascada com os dentes mesmo que a mãe se zangasse, comíamos sentados no chão do quintal e estávamos sempre de cuecas porque segundo me lembro, dizia-se que o suco da cana manchava a roupa para nunca mais sair! foram tempos que tinham um sabor próprio.

o momento da cana-de-açúcar em casa daquele jovem casal foi um entre muitos que passei na Martinica como forma de déjà-vu de uma infância que apesar de todos as dificuldades e diferenças, ainda assim não tenho duvidas de que a minha meninice foi muito bem açucarada.

esta ilha fez-me ver mais uma vez que apesar da distancia e das grandes diferenças entre os povos, cada um no seu cantinho teve os seus problemas e as suas alegrias e mesmo que hoje cada um dos povos no seu cantinho tenha tido a sua sorte, uns melhores que os outros, a verdade é que todos sem excepção querem que os seus filhos tenham momentos de cana-de-açúcar.
nesse pedaço de terra que pertença a França vi muitas coisas que discordo e outras tantas que dificilmente perceberei, e apesar de ser natural de uma país com montes de coisas esquisitas, não tive receio algum em perguntar, discordar ou opinar sempre que tive oportunidade e o gratificante foi que mesmo na discórdia as minhas opiniões foram ouvidas e respeitadas.

infelizmente, sinto sempre que nunca consigo agradecer o suficiente as pessoas que tão bem me tratam em muitos lugares que passo, é um sentimento de duvida que acho legitimo talvez porque hoje o bem e o mal andem tão próximo.

aos Terrakota que nestes últimos dias têm me feito tão bem com a sua música e as várias pessoas que receberam tão bem um estranho e que jamais saberão que escrevi sobre elas.

a todos, merci beaucoup.

segunda-feira, janeiro 16, 2012

personagens dos meus dias XIX

a senhora M é uma francesa da Guadalupe, negra com olhos verdes e o seu marido é português. conhecemo-nos no centro comercial La Galleria porque quando ela apercebeu-se que eu falava português, aproximou-se e simpaticamente disparou: eu também vos entendo. depois, ali mesmo naquele lugar conversamos quase hora e meia, recomendou-me um restaurante português e falou-me da senhora F, uma angolana, professora como ela e casada com um São-Tomense que é médico anestesista, os dois vivem há anos aqui na Martinica.

a senhora M da aulas de português no liceu e tem uma casa que mais parece um espaço cosmopolita com as recordações das muitas viagens que ele fez. por instante, pareceu-me estar na minha infância em casa do amigo Henrique Abrantes. cada peça ou objecto tem uma história... o quadro que comprou na Suécia quando lá esteve numa viagem com os seus alunos, um tacho de Barcelona, postais de Lisboa porque a sua mãe sempre quis conhecer o eléctrico amarelo, bonecas da Guiana ou as recordações do pelourinho que fizeram desviar a nossa conversa para Salvador. falamos da França, sobre politica, da África e claro sobre Angola. contou-me do concerto que o Bonga deu aqui e que ela e a senhora F estiveram na linha da frente com direito a autógrafos e uma conversa de 20 minutos com ele.

antes de me ir embora, a senhora M ofereceu-me goiabas... eram do quintal da senhora F, verdes por fora, laranja por dentro e muito doces... na verdade, a minha perdição aqui é a goiaba, seja a fruta, o sumo, os doces, etc.

infelizmente não tive oportunidade de conhecer a senhora F, é a segunda vez que nos desencontramos mesmo estando tão próximos...espero que a próxima seja diferente e que possa conhecer também a goiabeira que ela tem no quintal.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

L´abitation Clément

se essa ilha pudesse ter outro nome de certeza que se chamaria Rhum! é verdade, talvez seja um exagero meu, mas aqui, essa bebida destilada é a base para tudo e motivo para muitas outras coisas. foi um espanto para mim quando estive em casa da senhora Z, uma idosa que surpreendeu-me pela sua simpatia e jovialidade ao ponto de dominar o facebook e utilizar o skype com tanta facilidade. foi em casa dela que me foi oferecido o primeiro copo de rhum com uma colher de açúcar castanho em forma de aperitivo, independentemente do sol abrasador que vinha lá de fora!

há também doces que entram rhum, existem variadíssimos tipos de cremes que tiram dores no corpo que na sua composição o rhum está presente, nas estradas não é difícil nos depararmos com hectares de plantações com cana-de-açúcar, nos super marcados existe sempre uma grande prateleira com as variadíssimas marcas, La Mauny, Neisson, Saint James, etc, uns velhos, outros novos, alguns com sabores de determinada fruta tropical e agora também há cocktails.

mas essa é uma industria que não está apenas nas mãos das varias destilarias que existem por aqui, e talvez por ser algo que faz parte da vida deles é que as destilarias estão abertas como se fossem museus.

L´abitation Clément onde se produz o rhum Clément é uma delas, não é a mais antiga mas talvez a mais popular também porque o seu investimento em marketing é muito bom... a palavra Clément é uma constante por cá. fui visitar a destiladora mais famosa da Martinica, que em 1991 foi o palco da cimeira franco americana entre François Mitterrand e George Bush, e por isso a sala Clément onde decorreu o lanche de trabalho continua completamente intacta como forma de recordação, há vídeos e fotos sobre a cimeira, onde os visitantes repousam num momento de historia, numa visita que dura aproximadamente 2 horas e meia.


L´abitation esta dividida em vários espaços, o mundo crioulo, onde o destaque vai para arquitectura e a arte da vida crioula, os moveis, a decoração, os costumes e muitos outros detalhes que mantêm presente a memoria dos antepassados da família. existe o mundo vegetal com a plantação de cana-de-açúcar sempre presente, outras espécies de plantas e muitas zonas verdes que alias é uma constante nessa terra. no mundo industrial é possível estar em contacto com a destilaria mais antiga onde se pode ver como era feito o rhum... é possível tocar em maquinas que se pudessem nos contariam historias do antigamente, e no meio daquela maquinaria toda há também uma exposição fotográfica com antigos funcionários em forma de agradecimento pelo contributo que os mesmos deram para o sucesso do rhum. pessoalmente desconfiei, não acho que aquelas imagens contem apenas coisas positivas... observando as imagens com mais profundeza é possível observar o sofrimento na cara daquelas pessoas, aquelas mãos mostram marcas de trabalho duro e os olhos transmitem o desacordo mas não acredito que era apenas por causa do trabalho, nesta ilha, há muitas coisas inexplicáveis! por fim, entramos para o mundo do rhum onde é possível ver como o mesmo é reservado em armazéns que me fizeram lembrar as caves de vinho na cidade do Porto, ou os barris de madeira exactamente como aqueles que os piratas do antigamente usavam.








como todas grandes marcas actualmente, os Clément também têm a sua fundação que mantém aberta ao público no mesmo espaço que cheira a cana-de-açúcar, uma biblioteca, as casas de Léo e Lucie Clément que são galerias e onde esta presente uma exposição interessante do Dominicano Luz Severino.

L´abitation Clément é um mundo, e tudo o que lá vi custa muito dinheiro, mas ainda assim, acredito que o principal é a formação, a criatividade e a boa vontade para se fazerem coisas assim, porque não adiante ter todo dinheiro do mundo se não tiveres o resto ou então, serás para sempre o visitante e nunca o visitado, que infelizmente é o que está acontecer com o lugar de onde eu venho.

terça-feira, janeiro 10, 2012

descobertas

o Jean-Michel Lucenay é uma celebridade por cá, mas na verdade o que me chamou atenção no cartaz que estava naquela loja de cd´s foi a espada de esgrima.
nunca soube nada de esgrima com excepção daquelas imagens que via na televisão no campeonatos dos jogos olímpicos e nada mais... até porque em Angola esse é um desporto inexistente. pela curiosidade, assim que vi o cartaz disse logo que queria ir assistir aquele evento. mas do que conhecer a celebridade que é Jean-Michel Lucenay, para mim a exclusividade foi ver aquelas pessoas a praticarem algo que sempre vi pela televisão, revistas e actualmente em imagens pela internet... é curioso como em minutos ficamos informados sobre determinada coisa que durante anos esteve distante da nossa realidade, não sabia nada sobre esgrima e na verdade continuo sem saber, mas foi um momento extremamente agradável.

depois, explicaram-me que por cá esse é um desporto bastante popular, e que algumas das crianças presentes naquela exibição vivem num internato na Guadalupe onde fazem os seus estudos e simultaneamente são preparados para futuras promessas da modalidade.

domingo, janeiro 08, 2012

por vezes, temos uma vida excepcional e é preciso agradecer

hoje estive no Musee Regional D´Histoire Et D´Ethnographie e não sei se a vista que agora tenho em frente será a melhor para escrever este post. se por um lado penso que praia, corpos bronzeados, crianças brincado a beira mar é o típico programa do turista que adora postar as suas imagens no facebook, por outro, muito do que tenho na frente parece-se com alguma legitimidade com a história que ouvi da boca da simpática senhora que hoje me guiou durante duas horas na riquíssima visita que fiz ao museu.

talvez seja exagero de minha parte, mas é um tanto difícil para mim entender essas coisas... estou numa pequeno bar de um hotel que da de frente para o mar (felizmente aqui, conforme me informaram é ilegal os hotéis privatizarem as praias), e a maioria das pessoas que tenho como colegas de praia são franceses, poucos falam inglês ou outra língua... alias, por cá como em qualquer parte de França sinto sempre que é obrigatório saber falar francês como se existisse alguma obrigatoriedade!!! mas não é sobre isso que quero escrever, interessa-me falar sobre o facto de ter reparado que por cá as coisas boas parecem só serem para alguns, independentemente de estar numa ilha do Caribe... mas depois lembro-me sempre que estou em França e é ai que compreendo completamente aquilo que a Madame Sainte Agathe explicou-me hoje na visita guiada. foi uma conversa agradável e por vezes parecia que estava perante alguém que me falava de alguns excertos da história de Angola, fiz perguntas que dificilmente um jovem da minha idade nascido aqui fizesse com tanta frontalidade, mas isso não me surpreendeu porque é normal muitas vezes sentirmo-nos mais livres/atrevidos em casa dos outros.

mas como a vida não é apenas isso, parei de escrever por alguns instantes fui ver o por do sol como a maioria dos casais jovens que agora tinha ao meu lado, fiz muitas fotos, ouvi Adele que é o som ambiente do bar, pensei na saudade que sinto dos meus pais, filmei um lindíssimo por de sol e agora vou me banhar nesse mar que da para o lado do Caribe... 23h:03 em Luanda, 18h:03 por cá. por vezes temos uma vida singular, pena que seja apenas por excertos.