sexta-feira, julho 30, 2010

para ti, que nunca me lês!

só para dar um oi e dizer-te que hoje não é um dia especial.
desde que partiste, todos os dias têm sido especialmente diferentes.

ou será a saudade?

um convite aos de cá


Elinga Teatro à partir das 9h:00 da manhã.



a cidade é Luanda e os palcos serão o Palanca e o Welvitchia


clicar na imagem para melhor visualização.

quinta-feira, julho 29, 2010

a cidade no Cine Atlantico amanhã as 19h:30


em sincronia com Caipirinha Lounge

Maningue Nice

se nos muitos anos que vivi em Aveiro a saudade tivesse um nome, Fernando Santos “Aiaia”, podia sem duvida alguma ser esse nome.

A voz do Aiaia faz parte dos muitos dias de alegrias, tristezas, preguiça, chuva, frio e das saudades que nos tempo que estava longe de Angola, as recordações surgiam cada vez que ouvia as suas musicas. houve dias até, que estudar com a música do Cota Fernando significava reprovar no exame porque varias vezes dava comigo a olhar para o caderno mas com a mente num tempo distante algures na minha infância!

ketas como Africana (Vem Dançar), Overdose, Pretinha, Manazezinha ou Dizem que Sou, pareciam mesmo que tinham sido escritas para nós, que com sacrifício tínhamos deixado os amigos, os brinquedos, o quarto, o cheiro da nossa casa, as vozes dos pais... para abraçar a aventura de ir viver bem longe da felicidade.

Fernando Santos “Aiaia”, é cota, já tem um coxe de cabelos brancos, voz rouca e tem uma forma própria de cantar as suas/nossas lamentações.

Fernando Santos “Aiaia”, completou 20 anos de carreira e nessa festa de aniversario levou-nos ao passado, ao tempo em que as noticias sobre Angola chegavam na tuga gota à gota.

acompanhado pelos Kimbambas do Ritmo, a festa foi aberta pelo cota Dom Caetano que como sempre contou as suas historias. os mais velhos Lulas da Paixão e Bangão impecavelmente bem aprumado como sempre nos habituou, contribuíram para esquecer o atraso do inicio do show... mas o momento era do cota Aiaia.
Lulas da Paixão

Cota Bangão



tenho a certeza que naquela plateia que encontrei muitas caras regressadas da tuga, as lágrimas estiveram presente! talvez possa parecer estranho, mas hoje, quando oiço musicas que foram a banda sonora dos tempos da tuga, é impossível não sentir saudades da época em que as saudades da banda eram constante. músicos como Fernando Santos, Paulo Flores e Eduardo Paim, sempre souberam cantar as angustias dos emigrantes, e hoje, apesar de todas as dificuldades que vivemos lá fora, acredito pouco que exista alguém que ainda assim não sinta saudades do tempo que as lágrimas vinham sempre que ouvíamos Angola.






Cota Bangão, Fernando Santos e Dom Caetano

[não creio muito que as minhas lamentações são lidas por quem organiza esses momentos, por isso mesmo decide desde já diminuir para bem pequeno o tamanho da letra. quero reclamar, sim, reclamar da falta de respeito que se tem com o público nos espectáculos organizados aqui em Luanda. é incrível, o atraso de horas que na maior parte das vezes acontece e infelizmente, fruto do nosso conceito africano de esquecer quando as coisas já estão a kuiar, os produtores de espectáculos (e os músicos também) esquecem-se que estar num show ao final de um dia de trabalho em Luanda não é uma coisa fácil. o transito diário, as complicações para estacionar, os preços altíssimos dos bilhetes e ainda assim, as pessoas que chegam a hora têm que suportar mais de hora e meia para ver o musico por cima do palco!

aos amigos das tertúlias, cá está outro exemplo que o desenvolvimento de um povo não está apenas em construir prédios bwê altos, importar palmeiras de Miami ou ter um Mazzerati em estradas esburacadas.]

segunda-feira, julho 26, 2010

a cidade, recebe obras emblemáticas, uma cimeira de presidentes e outras coisas


em sincronia com Caipirinha Lounge

para ti, que nunca me lês!

nunca soube da sua existência e nem nunca alguém me tinha falado o seu nome. conheci-lhe na rua Rainha Ginga, no muro onde estão colados os cartazes anunciando a sua vinda para Luanda.

foi assim que conheci Oliver Mtukuazi, o zimbabueano de dentes brancos e que toca guitarra com sons que me fazem lembrar-te em tardes de domingo, pernas cruzadas, óculos caindo pelo nariz, lendo o livro de palavras difíceis que em criança desconhecia.

a curiosidade fez-me procurar por ele, e foi assim que cheguei aqui, aqui e depois aqui. aqui fiquei a saber que é carinhosamente chamado por Tuku e que hoje dizem que existe a Tuku Music.

por esses dias, tenho regressado bastante as tardes de domingo que em criança passávamos juntos. tu, na cadeira em madeira preta e com desenhos de animais cravados e eu, eu ali, pensando que um dia vou querer ser assim.

personagens dos meus dias XVII

numa exposição com imagens de Jordi Burch e textos de Ondjaki, o que eles mais queriam era pousar para a objectiva da máquina.
pularam, correram, perguntaram pelas personagens das imagens e o significado de algumas palavras em tamanho quase real afixadas nas paredes.




depois veio o passeio, o almoço e o momento que eles mais esperavam.
havia de tudo, baunilha, chocolate, banana e houve quem escolheu strawberry. sim, assim mesmo, strawberry!





quinta-feira, julho 22, 2010

ele ainda é um bebe, mas a cidade agradece a iniciativa


em sincronia com Caipirinha Lounge

descobertas

livros, livros e mais livros.

personagens dos meus dias XVI

o Murakane, usa roupas coloridas, é vendedor ambulante e todos os santos dias tenta vender-me cd´s pirata que carrega numa placa em papelão no braço esquerdo ou o Jornal de Angola que leva pelo braço direito.

como sempre, é na rua da samba onde nos encontramos.

pedi-lhe apenas o jornal mas ele reparou que o meu olhar estava no cd que tinha na capa a fotografia de homem com burca azul.

- cota, para ouvir no boter... é só 500.

- não tem desconto?

- 400, boa compra cota.

- 300.

- ya ta fix.

entretanto, o boter de traz já buzinava impaciente. abri o cd, pus o disco no leitor e ao puxar o papel com a fotografia do homem com burca azul, reparei que o cd não era pirata! usado, talvez mas de certeza que era original! maravilhei-me com o livrinho que tem um texto de Marisa Lassman: To my mind, Mali is the crown jewel of West África.


talvez o Murakane não sabia o valor que tinha entre as mãos, talvez ate soubesse mas quis desfazer-se, ou quem sabe, foi apenas um presente que ganhei.

segunda-feira, julho 19, 2010

quarta-feira, julho 14, 2010

um convite aos de cá

O Centro Cultural Português, em Luanda, terá patente de 19 de Julho a 17 de Agosto deste ano, uma exposição intitulada "O Rosto da Paisagem: uma estrada, dois olhares"
de autoria do (fotógrafo) português Jordi Burch.
A exposição será composta por 40 fotografias e textos do escritor angolano Ondjaki (www.kazukuta.com/ondjaki).
De acordo com uma nota da Embaixada de Portugal em Angola, a exposição, cuja abertura oficial está prevista para o dia 19 de Julho, realiza-se no âmbito da visita de Estado a Angola do presidente da República Portuguesa, Aníbal Cavaco Silva.

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Sendo uma iniciativa do Instituto Camões/Centro Cultural Português de Luanda em parceria com os dois artistas, esta viagem buscou exaltar a amizade (e o futuro desse laço) entre Angola e Portugal, desembocando numa exposição que celebra a paisagem angolana nas suas componentes estática e humana. Ao material fotográfico de Jordi Burch, adicionou-se a prosa e a poesia do escritor Ondjaki.
O resultado é a celebração artística de um país que se vê em crescimento nas suas mais variadas dimensões. Em “o rosto da paisagem – uma estrada dois olhares” os materiais são apresentados na perspectiva de dois jovens, oriundos de continentes distintos e com uma história comum – no que é já passado, e no que sempre se celebra, em cada viagem, por ser (também) presente.
*
a paisagem não regateia coisa alguma.
o que essencialmente a caracteriza
é a palavra sossego.

(ondjaki)

descobertas

Caipirinha Lounge, para ver e ouvir.


um convite aos de cá

segunda-feira, julho 12, 2010

sexta-feira, julho 09, 2010

um convite aos de cá

ainda o mundial, África e os africanos 6

[um jornalista (Tiago Carrasco), um fotógrafo (João Henriques) e um repórter de imagem (João Fontes) aventuraram-se durante 5 meses numa viagem de 30 mil quilómetros, passando por 19 países, da capital portuguesa até a principal cidade da Copa do Mundo, Joanesburgo. Publicada na Revista Única, compartilho aqui à aventura num copy/paste sem censura.]


Benim
Doenças, roubos e avarias no carro eram motivos suficientes para recorremos ao auxílio de um espiritista, principalmente quando estávamos no berço do vodu, a religião tradicional com sete milhões de súbditos no Benim, também importado para países tão longínquos como o Brasil ou o Haiti. Visitámos o consultório de Vognon Danhouegnon, um bokonon (pai do segredo) em Kalavi, arredores de Cotonu. Ele é mestre de Fa, um sistema de adivinhação vodu, e pedimos-lhe para que antecipasse o sucesso ou o fracasso da nossa missão de chegar à África do Sul. À porta do consultório, uma sentinela mística formada por restos mortais de aves, penas, tinta amarela, pedaços de madeira e terra. Vognon recebe-nos vestido com uma túnica verde e um chapéu preto com o seu nome bordado. Lança sobre um pedestal de mármore cheio de búzios, pedras e fósseis três colares de conchas e sementes e começa a evocar o espírito de Orumilá, a divindade da profecia. O veredicto estava prestes a ser revelado. “Vocês irão chegar à África do Sul mas terão de ter atenção ao seguinte: Fa vê problemas de dinheiro. Fa diz que um grupo de pessoas vai fazer um complô para vos destruir, Fa diz que vão ser ajudados por um gémeo, Fa diz uma mulher te irá trair”. Previsões vagas e abrangentes, das que podem atingir qualquer pessoa. Para terminar, Vognon recomenda-nos efectuar cinco sacrifícios, entre eles sacrificar uma galinha e uma cabra, comprar cinco pedaços de madeira e não usar a cor vermelha. Quando abandonamos o consultório, ouvimos os balidos e os cacarejos de animais enquanto objectos de ritual. Esquecemos os sacrifícios. Já bastam os que fazemos diariamente.

Nigéria
Uma das primeiras imagens que guardo de Lagos é a de um corpo morto numa estrada, crânio esmagado, sinalizados com um pneu de camião. Em seu redor, total indiferença. Se nos tivessem perguntado no momento se queríamos entrar no maior bairro de lata da maior e mais perigosa cidade africana, creio que a resposta seria consensual: “Nem pensar.” Mas o recepcionista do hotel levou-nos até Ajegunle, uma cidade feita de zinco e miséria onde habitam três milhões de pessoas. Foi nesse bairro que cresceram os maiores talentos do futebol nigeriano como Taribo West, Emmanuel Amunike e Jay-Jay Okocha. Todos eles brilharam na mais reputada das muitas competições de Ajegunle, a Taça das Nações Africanas, em que os mais talentosos futebolistas do bairro se dividem entre as selecções africanas. Mas não é fácil singrar quando se nasce naquela que é conhecida como a cidade-selva. As ruas estão estrumadas pelo mais variado tipo de distritos, as mulheres lavam sandálias na água esverdeada do esgoto a céu aberto e há famílias inteiras a habitar em metades de casas destruídas por bulldozers. A esperança média de vida é de pouco mais de 50 anos, ao contrário da de morte que pode acontecer numa nas investidas da polícia no bairro, em que as balas são disparadas aleatoriamente. Mas do ventre da indigência nascem também factos positivos. Em Ajegunle falam-se 50 línguas diferentes e é um dos poucos locais na Nigéria onde diferentes etnias vivem em harmonia. Daddy Showkey, um dos mais famosos cantores nigerianos, natural de Ajegunle, responde porquê: “Ajegunle é a terra prometida. O sítio onde as pessoas se têm umas às outras precisamente porque não têm mais nada.”

segunda-feira, julho 05, 2010

descobertas


Flannery O'Connor in Um Bom Homem é Difícil de Encontrar.
não sabia que tinha e nem me lembro de onde ou quando o comprei.

ainda o mundial, África e os africanos 5

[um jornalista (Tiago Carrasco), um fotógrafo (João Henriques) e um repórter de imagem (João Fontes) aventuraram-se durante 5 meses numa viagem de 30 mil quilómetros, passando por 19 países, da capital portuguesa até a principal cidade da Copa do Mundo, Joanesburgo. Publicada na Revista Única, compartilho aqui à aventura num copy/paste sem censura.]


Gana
Em Acra, capital do Gana, Yaw Ghanebei foi nosso anfitrião. Conhecemo-lo ainda em Lisboa através de uma rede social e prontamente se ofereceu para nos guiar pelos meandros das academias de futebol ilegais no Gana. Só na capital há cerca de quinhentas, algumas com nomes tão angelicais como “Filhos de Moisés” ou “Atletas de Cristo”. Porém, os seus fins não poderiam ser mais malévolos – descobrir crianças futebolistas e tenta-las coloca-las nos clubes europeus a qualquer custo. A consequência é desastrosa. As famílias dos rapazes endividam-se para pagar ao agente falso e subsidiar-lhes a viagem para França, Espanha ou Inglaterra e, quando os miúdos falham nos treinos de captação, ficam a viver à deriva nas grandes capitais europeias. Só a ONG Culture Footbal Solidaire, a operar nos subúrbios de Paris, trabalha com 800 adolescentes que chegaram à Europa para seguir as pisadas de Essien e acabaram sem abrigo. No Gana, conhecemos Patrick, 25 anos, que enviou o seu passaporte a um agente supostamente radicado na Rússia para que o colocasse no futebol arménio. No entanto, o burlão ficou com o passaporte e pediu-lhe 1500 euros para o devolver. Ou Henrik Yartey, 18 anos, que falhou nos treinos de uma equipa romena e ficou a dormir debaixo de uma ponte em Bucareste até encontrar novo clube. As historias repetem-se: “Algumas famílias vendem mesmo a casa na aldeia e mudam-se para os bairros de lata para pagar as a deslocação dos filhos”, diz Osey Welbeck, irmão de um jogador enganado na África do Sul. A grande surpresa estava reservada para o final. Quando já estávamos no Togo, recebemos um e-mail de Yaw Ghanebei: “Sou agente de um jogador chamado Jimmy Wulf. Se me ajudarem a pô-lo a jogar em Portugal, dou-vos 20 por cento da transferência. Ajudem-me!” Em Acra, os agentes falsos são tantos que até podem andar debaixo do seu nariz.

Togo
Jean-Pierre Fabre marcha nas avenidas de Lomé como um presidente vitorioso. Usa um chapéu com o nome de Barack Obama, um bigode clássico e calças de fato de treino. Atrás dele, cerca de 10 mil togoloses cantam mudança. Na verdade, Fabre, líder da FRAC (Frente Republicaine de Alternance et Changement) perdeu as eleições para Faure Gnassingbé, filho de Eyadéma Gnassingbé, o ditador que governou o país durante 38 anos, mas alega fraude eleitoral para tomar o poder. A história do Togo, um dos países mais pobres de África, está marcada por uma ditadura narcisista e pelo nepotismo. Eyadéma era excêntrico ao ponto de ter uma companhia pessoal de 1000 bailarinas, de ter lançado livros de banda-desenhada em que era representado como super-herói e de disparar de um helicóptero sobre animais selvagens. A ver pelo descontentamento dos populares, o filho segue a mesma linha. Costuma ordenar o lançamento de gás lacrimogéneo e de balas sobre as manifestações e prender os seus adversários políticos. Por isso, os manifestantes tratam-nos como salvadores que surgiram sob o sol escaldante do Togo para denunciar na Europa as violações dos direitos humanos no Togo; ajudam-nos a subir a muros, a furar na multidão e a chegar ao seu líder. Nunca fui tão bem tratado numa manifestação. No entanto, numa certa madrugada, alguns não pensaram o mesmo. Numa rua escura, seis homens encostaram-me uma pistola à cabeça e levaram-me a bolsa com todos os documentos. Quando quis ir à polícia fazer queixa, disseram-me: “Onde pensa que está? Se fizer queixa à polícia só vai gastar mais dinheiro. Aqui quando alguém é roubado deixa um testemunho na rádio”. Foi o que fiz... sem resultado.

quinta-feira, julho 01, 2010

ainda o mundial, África e os africanos 4

[um jornalista (Tiago Carrasco), um fotógrafo (João Henriques) e um repórter de imagem (João Fontes) aventuraram-se durante 5 meses numa viagem de 30 mil quilómetros, passando por 19 países, da capital portuguesa até a principal cidade da Copa do Mundo, Joanesburgo. Publicada na Revista Única, compartilho aqui à aventura num copy/paste sem censura.]


Burkina Faso
O pesadelo começou com uma omeleta na fronteira perdida entre o Mali e o Burkina Faso. O ovo revolveu o estômago do João Fontes, que passou os três dias seguintes enfiado na casa de banho. Para complicar, o João Henriques começou a sentir febre. Em Bobo-Dioulasso, diagnosticaram-lhe malária. Precipitadamente, ingeriu um medicamento duvidoso fabricado no Mali. Este era o ponto da situação quando eu e o João Fontes, num estado moribundo, partimos para Diosso, uma mina de ouro artesanal nas colinas, a 80 quilómetros da cidade, e o Henriques ficou a recuperar no quarto. O que se passou nos dias seguintes foi quase um ponto final no projecto. O comprimido causou uma reacção no fotógrafo, que começou a vomitar sangue. Alarmado, tentou contactar-nos, mas estávamos desterrados numa povoação de mineiros criminosos que arriscam a vida para achar uma pepita. Quando lhe telefonei, já estava a caminho do avião para Lisboa. Na manhã seguinte, o Fontes não conseguia andar três metros sem sentir tonturas e estatelar-se no chão. Possuído pela ansiedade, foi levado a grande velocidade para uma clínica de Babo. Aí, uma balança apontar-lhe-ia a causa do seu mal – em dois meses tinha perdido 12 quilos. Voltei a Diosso para finalizar sozinho a reportagem e, depois de ver os mineiros entrarem num buraco mínimo e escuro, metalizei-me que não tinha razões para recar pela minha situação. Já já Henriques haveria de se encontrar connosco uma semana depois na Costa do Marfim.

Costa do Marfim
Entrámos pelo norte da Costa do Marfim sem seguro, sem documentos da viatura e sem mostrar o visto. A razão para tanta ilegalidade é simples – o país está dividido e a região norte é controlado pelos rebeldes das Forces Nouvelles (FN). Para todos os efeitos, é outro país. Muitos nos advertiram que seria perigoso entrar pela fronteira setentrional e chegamos a pensar que tinham razão quando um dos rebeldes nos entrou para o banco de trás. Guy Dénis Koné, 30 anos, queria boleia até Bouaké, a capital do norte e bastião das forças opositoras ao Governo de Abidjan. “Entrei para as FN porque me chamo Koné, que é um nome do norte. Se eu for para Abidjan e disser o meu nome, ninguém me dá trabalho”, disse o militar. A Costa do Marfim separou-se porque os sulistas, maioritariamente católicos, negaram o direito à nacionalidade aos nortenhos, muçulmanos, muitos deles descendentes dos imigrantes burkinabés que trabalhavam nas plantações de cacau e café. A guerra civil rebentou em 2002 e prolongou-se por cinco anos mas, ainda hoje, a situação é tensa. Levar Koné no carro revelou-se bastante útil. Nas onze barreiras policiais a que fomos sujeitos, o guerrilheiro recomendava a gorjeta a dispensar, bastante inferior ao que teríamos de gastar se viajássemos sozinhos. Mesmo assim, nos dias seguintes, o nosso novo amigo não impediu dois valentes sustos: que um oficial rebelde nos apreendesse a câmara por eu estar a fotografar um edifício bombardeado e que um homem largo como um prédio nos perseguisse com uma mão atrás das costas, simulando a posso de uma arma. Nos dois casos, tudo se resolveu com diplomacia. Uns dias mais tarde, já em Abidjan, no sul, um polícia pediu-me os documentos de entrada no país. Mostrei-lhe o recibo carimbado pelas Forces Nouvelles: “O que é isto? Pedi-lhe documentos da Costa do Marfim!”, respondeu, furioso.