sexta-feira, julho 09, 2010

ainda o mundial, África e os africanos 6

[um jornalista (Tiago Carrasco), um fotógrafo (João Henriques) e um repórter de imagem (João Fontes) aventuraram-se durante 5 meses numa viagem de 30 mil quilómetros, passando por 19 países, da capital portuguesa até a principal cidade da Copa do Mundo, Joanesburgo. Publicada na Revista Única, compartilho aqui à aventura num copy/paste sem censura.]


Benim
Doenças, roubos e avarias no carro eram motivos suficientes para recorremos ao auxílio de um espiritista, principalmente quando estávamos no berço do vodu, a religião tradicional com sete milhões de súbditos no Benim, também importado para países tão longínquos como o Brasil ou o Haiti. Visitámos o consultório de Vognon Danhouegnon, um bokonon (pai do segredo) em Kalavi, arredores de Cotonu. Ele é mestre de Fa, um sistema de adivinhação vodu, e pedimos-lhe para que antecipasse o sucesso ou o fracasso da nossa missão de chegar à África do Sul. À porta do consultório, uma sentinela mística formada por restos mortais de aves, penas, tinta amarela, pedaços de madeira e terra. Vognon recebe-nos vestido com uma túnica verde e um chapéu preto com o seu nome bordado. Lança sobre um pedestal de mármore cheio de búzios, pedras e fósseis três colares de conchas e sementes e começa a evocar o espírito de Orumilá, a divindade da profecia. O veredicto estava prestes a ser revelado. “Vocês irão chegar à África do Sul mas terão de ter atenção ao seguinte: Fa vê problemas de dinheiro. Fa diz que um grupo de pessoas vai fazer um complô para vos destruir, Fa diz que vão ser ajudados por um gémeo, Fa diz uma mulher te irá trair”. Previsões vagas e abrangentes, das que podem atingir qualquer pessoa. Para terminar, Vognon recomenda-nos efectuar cinco sacrifícios, entre eles sacrificar uma galinha e uma cabra, comprar cinco pedaços de madeira e não usar a cor vermelha. Quando abandonamos o consultório, ouvimos os balidos e os cacarejos de animais enquanto objectos de ritual. Esquecemos os sacrifícios. Já bastam os que fazemos diariamente.

Nigéria
Uma das primeiras imagens que guardo de Lagos é a de um corpo morto numa estrada, crânio esmagado, sinalizados com um pneu de camião. Em seu redor, total indiferença. Se nos tivessem perguntado no momento se queríamos entrar no maior bairro de lata da maior e mais perigosa cidade africana, creio que a resposta seria consensual: “Nem pensar.” Mas o recepcionista do hotel levou-nos até Ajegunle, uma cidade feita de zinco e miséria onde habitam três milhões de pessoas. Foi nesse bairro que cresceram os maiores talentos do futebol nigeriano como Taribo West, Emmanuel Amunike e Jay-Jay Okocha. Todos eles brilharam na mais reputada das muitas competições de Ajegunle, a Taça das Nações Africanas, em que os mais talentosos futebolistas do bairro se dividem entre as selecções africanas. Mas não é fácil singrar quando se nasce naquela que é conhecida como a cidade-selva. As ruas estão estrumadas pelo mais variado tipo de distritos, as mulheres lavam sandálias na água esverdeada do esgoto a céu aberto e há famílias inteiras a habitar em metades de casas destruídas por bulldozers. A esperança média de vida é de pouco mais de 50 anos, ao contrário da de morte que pode acontecer numa nas investidas da polícia no bairro, em que as balas são disparadas aleatoriamente. Mas do ventre da indigência nascem também factos positivos. Em Ajegunle falam-se 50 línguas diferentes e é um dos poucos locais na Nigéria onde diferentes etnias vivem em harmonia. Daddy Showkey, um dos mais famosos cantores nigerianos, natural de Ajegunle, responde porquê: “Ajegunle é a terra prometida. O sítio onde as pessoas se têm umas às outras precisamente porque não têm mais nada.”

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