[um jornalista (Tiago Carrasco), um fotógrafo (João Henriques) e um repórter de imagem (João Fontes) aventuraram-se durante 5 meses numa viagem de 30 mil quilómetros, passando por 19 países, da capital portuguesa até a principal cidade da Copa do Mundo, Joanesburgo. Publicada na Revista Única, compartilho aqui à aventura num copy/paste sem censura.]
Gana
Em Acra, capital do Gana, Yaw Ghanebei foi nosso anfitrião. Conhecemo-lo ainda em Lisboa através de uma rede social e prontamente se ofereceu para nos guiar pelos meandros das academias de futebol ilegais no Gana. Só na capital há cerca de quinhentas, algumas com nomes tão angelicais como “Filhos de Moisés” ou “Atletas de Cristo”. Porém, os seus fins não poderiam ser mais malévolos – descobrir crianças futebolistas e tenta-las coloca-las nos clubes europeus a qualquer custo. A consequência é desastrosa. As famílias dos rapazes endividam-se para pagar ao agente falso e subsidiar-lhes a viagem para França, Espanha ou Inglaterra e, quando os miúdos falham nos treinos de captação, ficam a viver à deriva nas grandes capitais europeias. Só a ONG Culture Footbal Solidaire, a operar nos subúrbios de Paris, trabalha com 800 adolescentes que chegaram à Europa para seguir as pisadas de Essien e acabaram sem abrigo. No Gana, conhecemos Patrick, 25 anos, que enviou o seu passaporte a um agente supostamente radicado na Rússia para que o colocasse no futebol arménio. No entanto, o burlão ficou com o passaporte e pediu-lhe 1500 euros para o devolver. Ou Henrik Yartey, 18 anos, que falhou nos treinos de uma equipa romena e ficou a dormir debaixo de uma ponte em Bucareste até encontrar novo clube. As historias repetem-se: “Algumas famílias vendem mesmo a casa na aldeia e mudam-se para os bairros de lata para pagar as a deslocação dos filhos”, diz Osey Welbeck, irmão de um jogador enganado na África do Sul. A grande surpresa estava reservada para o final. Quando já estávamos no Togo, recebemos um e-mail de Yaw Ghanebei: “Sou agente de um jogador chamado Jimmy Wulf. Se me ajudarem a pô-lo a jogar em Portugal, dou-vos 20 por cento da transferência. Ajudem-me!” Em Acra, os agentes falsos são tantos que até podem andar debaixo do seu nariz.
Togo
Jean-Pierre Fabre marcha nas avenidas de Lomé como um presidente vitorioso. Usa um chapéu com o nome de Barack Obama, um bigode clássico e calças de fato de treino. Atrás dele, cerca de 10 mil togoloses cantam mudança. Na verdade, Fabre, líder da FRAC (Frente Republicaine de Alternance et Changement) perdeu as eleições para Faure Gnassingbé, filho de Eyadéma Gnassingbé, o ditador que governou o país durante 38 anos, mas alega fraude eleitoral para tomar o poder. A história do Togo, um dos países mais pobres de África, está marcada por uma ditadura narcisista e pelo nepotismo. Eyadéma era excêntrico ao ponto de ter uma companhia pessoal de 1000 bailarinas, de ter lançado livros de banda-desenhada em que era representado como super-herói e de disparar de um helicóptero sobre animais selvagens. A ver pelo descontentamento dos populares, o filho segue a mesma linha. Costuma ordenar o lançamento de gás lacrimogéneo e de balas sobre as manifestações e prender os seus adversários políticos. Por isso, os manifestantes tratam-nos como salvadores que surgiram sob o sol escaldante do Togo para denunciar na Europa as violações dos direitos humanos no Togo; ajudam-nos a subir a muros, a furar na multidão e a chegar ao seu líder. Nunca fui tão bem tratado numa manifestação. No entanto, numa certa madrugada, alguns não pensaram o mesmo. Numa rua escura, seis homens encostaram-me uma pistola à cabeça e levaram-me a bolsa com todos os documentos. Quando quis ir à polícia fazer queixa, disseram-me: “Onde pensa que está? Se fizer queixa à polícia só vai gastar mais dinheiro. Aqui quando alguém é roubado deixa um testemunho na rádio”. Foi o que fiz... sem resultado.
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