segunda-feira, dezembro 15, 2008

António Lobo Antunes, o cronista fala do escritor

Hoje, um de novembro de dois mil e oito, sábado às treze e dez, acabei a primeira versão do livro, o que significa que falta escrever tudo não mencionando o trabalho de corte e costura e o frete de professor de Português a corrigir um teste que não lhe agrada até ficar em paz com ele. Depois batem no computador, emendo, volta ao computador, torno a emendar e andamos meses nisto. Ao achar-me contente com o material emendo mais, ao achar-me muito contente emendo ainda, ao achar-me feliz desconfio, ao achar que consegui aquilo que pretendia segue para a máquina e publica-se. A partir desse momento deixa de pertencer-me e começo a esquecê-lo. Ao esquecê-lo de todo principia a longa espera do livro seguinte: virá, não virá? Até agora tem vindo. O medo que não venha, o pavor de haver secado. Rapei o fundo à panela, acabou-se. E a pergunta angustiada: no caso de se ter acabado o que será de mim? Como viver sem estas vozes, esta necessidade estranha que desde os sete anos ou oito anos é a minha razão e o meu sentido? Nunca pensei publicar, aconteceu por acaso, o que me interessava era escrever. Foi-me sempre claro que enchia o papel de mediocridades e patetices mas tinha uma fé cega no meu génio. Anos 
e anos a insistir, a compreender que

(– Ainda não encontrei, ainda não encontrei)

todos eram melhores que eu e no entanto a certeza que seria melhor que eles um dia. De onde me vinha essa certeza? Sentia a força, ignorava como manejá-
-la. Levei séculos. Agora que consegui 
a questão é

– Não chega, tens obrigação de ir mais longe

de modo que me sinto de novo no princípio. Tens obrigação de ir mais longe. 
E nem que deixe a pele nessa luta hei-de ir. Nem que deixe a pele é um eufemismo: deixo-a mesmo. E sem pele continuo.
(...)

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